2. Cálculo do campo elétrico

Jaime E. Villate e Luís Miguel Martelo
(21 de dezembro de 2023)
Problema 2.1

Uma pequena esfera com massa igual a 25 g e carga de 50 nC encontra-se pendurada de um fio isolador de 7 cm que está colado a um plano vertical. O plano vertical tem uma carga superficial constante σ=17 nC/cm2 e pode ser considerado infinito. Calcule o ângulo θ que o fio faz com o plano vertical.

Resolução. O campo elétrico produzido pelo plano é horizontal, com módulo constante E=2πkσ. A força elétrica sobre a carga pontual positiva é horizontal, para a esquerda, e com módulo (unidades SI):

Fe=2πkσq=2×8.988×109×17×105×50×109π=0.48002N

Sobre a esfera atuam três forças externas: a força elétrica, a tensão no fio, e o peso. O lado esquerdo da figura seguinte mostra essas forças.

Como a carga pontual fica em equilíbrio, a soma dessas 3 forças deverá ser nula. O problema podia ser resolvido definindo um sistema de dois eixos e resolvendo as duas equações das somas das componentes das forças nos dois eixos iguais a zero. No entanto, é mais fácil observar que para que a soma dos 3 vetores seja nula, se forem colocados um a seguir ao outro, como no lado direito da figura acima, deverão formar um triângulo, que neste caso é retângulo com catetos de comprimento mg e Fe. Como tal, a tangente do ângulo θ deverá ser igual a Fe/(mg), e o ângulo θ será:

θ=arctg(Femg)=arctg(0.480020.025×9.807)=62.9
Problema 2.2

Numa região do espaço há três cargas pontuais, q1=2 µC no ponto (x,y,z)=(3,1.5,2.3) (em cm), q2=+3 µC em (x,y,z)=(3.2,1.1,1.5) e q3=4 µCem (x,y,z)=(3.7,1.2,2.2). Calcule o fluxo elétrico através de uma superfície esférica de raio 3 cm, com centro no ponto (1, 0, 0).

Resolução. De acordo com a lei de Gauss, o fluxo através da superfície esférica será igual a 4πk vezes a carga total dentro da superfície esférica. Para determinar quais das três cargas estão no interior da superfície esférica, calculam-se as suas distâncias até o centro da superfície esférica:

d1 =(31)2+1.52+2.32=3.397cm
d2 =(3.21)2+1.12+1.52=2.881cm
d3 =(3.71)2+1.22+2.22=3.684cm

Como a única dessas distâncias que é menor que o raio da superfície esférica é d2, a única carga no interior da superfície esférica é q2 e o fluxo elétrico através da superfície esférica é

Ψ=4πkq2=339×103Nm2C
Problema 2.3

Na atmosfera existe um campo eléctrico que aponta na vertical, para baixo. A nível do mar, o módulo desse campo, é aproximadamente 120 N/C e diminui em função da altura; 2 km acima do nível do mar o campo é aproximadamente 66 N/C. Que pode concluir acerca do sinal das cargas livres nos dois primeiros quilómetros da atmosfera? Calcule a densidade volúmica de carga média nessa região.

Resolução.A lei de Gauss relaciona as cargas livres numa região com o fluxo elétrico através da fronteira dessa região. Como tal, para determinar a carga livre que existe na atmosfera, devemos encontrar uma superfície fechada onde seja possível calcular o fluxo elétrico. Com os dados do problema, podemos calcular facilmente o fluxo numa superfície horizontal (perpendicular ao campo) que esteja a uma altura do nível do mar ou 2 km por cima. Usaremos uma superfície fechada com duas tampas horizontais iguais de área A, uma ao nível do mar e a outra 2 km por cima, com paredes laterais verticais, tal como mostra a figura seguinte:

Na tampa de cima o campo elétrico, E2, tem módulo 66 N/C e aponta para dentro da superfície fechada. Como tal, nessa tampa há fluxo negativo igual a (unidades SI):

Ψ2=66A

Na tampa de baixo, o o campo elétrico, E0, produz fluxo positivo porque aponta para fora da superfície fechada e o valor do fluxo nessa tampa é:

Ψ0=120A

Nas paredes laterais não há fluxo, porque as linhas de campo são tangentes a essa superfície. O fluxo total na superfície fechada é então:

Ψ=Ψ0+Ψ2=54A

O resultado positivo permite-nos concluir que na atmosfera (dentro da superfície fechada escolhida) existem cargas livres positivas.

Aplicando a lei de Gauss obtém-se a carga no interior da superfície fechada:

Ψ=54A=4πkqintqint=54A4×8.988×109π=4.7810×1010A

Como o volume da superfície fechada, em unidades SI, é igual a 2000A, então a densidade volúmica de carga média é:

ρ=4.7810×1010A2000A=2.391×1013C/m3

Comentários: Foi admitido que as linhas de campo, verticais, são paralelas entre si. Realmente as linhas verticais em dois pontos diferentes da Terra não são paralelas, porque são perpendiculares à superfície da Terra que é curva. Para obter maior precisão, a superfície fechada usada para aplicar a lei de Gauss poderia estar formada por duas esferas concêntricas: a própria superfície esférica da Terra, com raio de R0=6371 km, e a segunda superfície esférica com centro no centro da Terra e raio R2=6373 km, tal como mostra a figura seguinte.

O fluxo elétrico que sai do volume entre essas duas esferas é (unidades SI):

Ψ=120×4πR0266×4πR22

E a densidade volúmica de carga média será:

ρ=Ψ/(4πk)4π(R23R03)/3=360R02198R224πk(R23R03)=2.388×1013C/m3

Este resultado, mais correto, é muito semelhante ao resultado obtido admitindo linhas de campo paralelas, devido ao facto dos raios das duas esferas serem muito semelhantes.

Problema 2.4

Uma carga pontual de 5 nC encontra-se a 6 cm de um fio retilíneo muito comprido, com carga linear constante de 7 nC/cm. Calcule a força elétrica da carga sobre o fio (sugestão: calcule a força do fio sobre a carga pontual, que é mais fácil de calcular, a qual, pela lei de ação e reação, possui o mesmo módulo da força da carga sobre o fio).

Resolução. O campo elétrico de um fio retilíneo infinito, com carga linear λ constante é na direção radial desde o fio e tem módulo

E=2kλd

onde d é a distância desde o fio.

O módulo da força do fio sobre a carga pontual é (unidades SI):

F=qE=2kλqd=2×8.988×109×7×107×5×1096×102=1.05mN
Problema 2.5

Um fio não-condutor no plano xy, forma uma circunferência de raio a com centro na origem. O fio tem carga linear não-uniforme λ=λ0sinϕ, onde ϕ é o ângulo em coordenadas polares, cuja origem é o centro da circunferência. Calcule o campo elétrico na origem.

Resolução. A figura seguinte mostra um ponto P no fio e o seu vetor posição r.

O vetor posição da origem, onde vai calcular-se o campo, é r=0 e

rr=r=a(cosϕıˆ+sinϕȷˆ)  |rr|=a

O comprimento infinitesimal de arco ao longo do anel é ds=adϕ e o campo elétrico na origem é:

E =k02πλ(r)rr|rr|3adϕ
=kλ0a02πsinϕ(cosϕıˆ+sinϕȷˆ)dϕ

Para calcular os integrais usam-se as identidades trigonométricas:

sinϕcosϕ=12sin(2ϕ)  sin2ϕ=1cos(2ϕ)2

Que conduzem a:

E=kλ02a02π(sin(2ϕ)ıˆ+ȷˆcos(2ϕ)ȷˆ)dϕ

Os integrais de sin(2ϕ) e cos(2ϕ) são iguais a zero e o resultado final é:

E=πkλ0aȷˆ
Problema 2.6

Um protão passa pela origem, em t=0, com velocidade (3ıˆ+2ȷˆ) Mm/s, dentro de uma região onde há vácuo e campo elétrico uniforme, E=Eȷˆ. Determine o valor que deverá ter E para que o protão atravesse o eixo dos x em x=85 cm. (O peso do protão pode ser desprezado neste caso).

Resolução. O campo elétrico uniforme e na direção do eixo y implica força externa constante e na direção y. Como a velocidade inicial tem componentes x e y, o movimento será uma parábola no plano xy, igual à sobreposição dum movimento uniforme, na projeção no eixo x, e um movimento uniformemente acelerado na projeção no eixo y:

vx=3×106=constante  ay=constante

(usando unidades SI).

O tempo que o protão demora até atravessar o eixo dos x, em x=85 cm é então:

Δt=Δxvx=0.853×106=2.833×107

A trajetória parabólica implica que quando o protão atravessar novamente o eixo dos x terá componente vy da velocidade com o mesmo valor absoluto do seu valor inicial, mas com sinal negativo, ou seja, vy=2 Mm/s. A aceleração obtém-se a partir da seguinte equação para o movimento uniformemente acelerado:

ay=vyvy0Δt=2×1062×1062.833×107=1.412×1013

e, usando os valores da massa e da carga dum protão, a componente y do campo elétrico é,

Ey=maye=1.673×1027×1.412×10131.602×1019=1.47×105

O valor de E é 1.47×105 N/C.

Problema 2.7

Calcule a carga total dentro do paralelepípedo: 0x18 cm, 0y20 cm, 0z15 cm, onde o campo elétrico é E=24xıˆ (unidades SI).

Resolução. A densidade volúmica de carga calcula-se usando a forma diferencial da lei de Gauss:

ρ=E4πk=14πk(Exx+Eyy+Ezz)=6πk

E, por ser constante, a carga no interior do paralelepípedo é igual à densidade volúmica de carga vezes o volume do paralelepípedo:

Q=(6π 8.988×109)×0.18×0.2×0.15=1.15×1012C=1.15pC
Problema 2.8

Quatro cargas com valores +q e q (q>0), encontram-se nos vértices dum quadrado de aresta L. Determine a expressão do campo elétrico E, no ponto P (no meio da aresta do lado esquerdo), em função de q, L e a constante k.

Resolução. Na figura seguinte, as quatro cargas pontuais, designadas de q1, q2, q3 e q4, produzem os quatro campos E1, E2, E3 e E4 nas direções indicadas.

Os módulos desses quatro campos determinam-se a partir da Lei de Coulomb:

E1=E2=kq(L/2)2=4kqL2
E3=E4=kqd2=kqL2+(L/2)2=4kq5L2

O campo total no ponto P é a soma vetorial dos quatro campos que, usando eixo dos x na direção de q1q4¯ e eixo dos y na direção de q1q2¯ na figura anterior, será:

E =(E1+E2)ȷˆ+E3(cosθıˆsinθȷˆ)+E4(cosθıˆsinθȷˆ)
=2E1ȷˆ2E3sinθȷˆ

A partir da figura observa-se que

sinθ=L2d=15

substituindo esse valor e as expressões de E1 e E3 obtém-se:

E=8kqL2(1155)ȷˆ=8kq25L2(255)ȷˆ