1. Força elétrica

Jaime E. Villate e Luís Miguel Martelo
(15 de novembro de 2024)
Problema 1.1

A unidade SI de carga elétrica é o coulomb (C). Mesmo para objetos do dia a dia, 1 C é uma carga elétrica enorme.
(a) Duas cargas, consideradas pontuais, de 1 C cada estão à distância de 10 cm. Calcule a força elétrica entre elas. Compare e comente o valor obtido com o peso de um Boeing 747, considerando a sua massa como sendo de 180 toneladas.
(b) Considere duas cargas elétricas iguais q à distância de 10 cm. Calcule o valor de q de modo a que força entre as cargas seja de 100 N. Comente o valor obtido.

Resolução. (a). Em unidades SI, a força entre as cargas é:

F=8.988×109×1×10.12=8.99×1011N

Usando o valor padrão da aceleração da gravidade, o peso do Boeing é

P=180×103×9.807=1.77×106N

A força eléctrica seria equivalente ao peso de aproximadamente meio milhão de aviões Boeing 747.

(b) A partir da lei de Coulomb, com q1=q2=q, obtém-se:

q=Fd2k=100×0.128.988×109=1.05×105C=10.5μC
Problema 1.2

Uma esfera de cobre possui um volume de 1 dm3 e encontra-se eletricamente neutra. Dados do cobre: densidade volúmica de massa ρm=8.920 g.cm3, número atómico Z=29, massa atómica A=63.546.
(a) Calcule o número de eletrões existentes na esfera, bem como a sua carga.
(b) Caso o número de eletrões sofra uma variação de 1%, determine a carga elétrica que a esfera adquire.
(c) Considerando agora uma segunda esfera idêntica à inicial, altera-se em cada uma o seu número de eletrões de 1%. Calcule a força elétrica entre as esferas a uma distância de 15 cm. Determine a massa duma esfera com peso igual a essa força e compare-a com a massa da Terra (5.98×1024 kg).
(d) Calcule o número de eletrões a serem removidos (injetados) de modo à esfera inicial ficar eletrizada positivamente (negativamente) com carga 1μC (-1μC). Compare com o número total de eletrões inicial.
(e) Comente os resultados anteriores.

Resolução. (a) O número de eletrões Ne é igual ao número de átomos N vezes o número atómico Z (número de eletrões de um átomo neutro). O número de átomos N calcula-se dividindo a massa da esfera, em gramas, pela massa de um átomo, em gramas (massa atómica dividida pelo número de Avogadro):

Ne=8.920×10363.546/6.022×1023×29=2.451×1027

e a carga desses eletrões obtém-se multiplicando pela carga elementar, com sinal negativo:

Q=2.451×1027×1.602×1019=3.93×108C

(b) A esfera adquire carga positiva igual a 0.01 vezes o valor absoluto da carga dos eletrões calculada na alínea anterior, ou seja, fica com carga 3.93×106 C.

(c) Como será explicado num capítulo posterior, a força entre esferas com carga distribuída uniformemente pode ser calculada admitindo cargas pontuais concentradas no centro das esferas. Usando a lei de Coulomb para duas cargas pontuais iguais à que foi calculada na alínea anterior

F=8.988×109×(3.93×106)20.152=6.17×1024N

A massa de uma esfera que tivesse esse peso seria,

m=6.17×10249.807=6.29×1023kg

E a sua relação com a massa da Terra é

mM=6.29×10235.98×1024=0.11

ou seja, a massa é 11 % da massa da Terra.

(d) O número de eletrões que deve ser removido é a carga pretendida dividida pela carga elementar:

ΔNe=1×1061.602×1019=6.242×1012

e comparando com o número de eletrões calculado na alínea a,

ΔNeNe=6.242×10122.451×1027=2.55×1015=2.55×1013%

(e) A carga elétrica dos eletrões de um objeto macroscópico é gigantesca (108 C), mas como a carga elétrica dos protões é igual e de sinal oposto, um objeto do dia-a-dia encontra-se normalmente neutro. A variação de 1 % do número de eletrões provocaria uma carga macroscópica enorme (106 C). Para termos um carga macroscópica típica (1 μC), é suficiente uma variação muitíssimo pequena do número de eletrões (2.55×1013 %).

Problema 1.3

Determine a força elétrica resultante sobre cada uma das cargas representadas na figura.

Resolução. A figura seguinte mostra os três diagramas de forças para as três partículas, admitindo que a carga q1 é a de 5 nC, a carga q2 é a de 9 nC e q3 é a de 7 nC.

Em cada vetor Fij o primeiro índice i indica o número da carga onde a força atua, e o segundo índice j é o número da carga que produz essa força. As forças elétricas verificam a lei de ação e reação: Fij=Fji, e em módulo, Fij=Fji.

Para facilitar as contas, convém manter as unidades dadas para as cargas (nC) e as distâncias (cm) e mudar o valor da constante k para essas unidades:

k=8.988×109Nm2C2=8.988×109N(102cm)2(109nC)2=0.08988mNcm2nC2

Se usarmos k=0.08988, com cargas em nC e distâncias em cm, as forças obtidas estarão em mN. A lei de Coulomb permite calcular os módulos das seis forças na figura acima:

F12 =0.08988×5×93=1.3482mN
F13 =0.08988×5×71=3.1458mN
F23 =0.08988×9×74=1.4156mN

Observando a figura, conclui-se que o cosseno e o seno do ângulo θ são:

cosθ=32  sinθ=12

Fixando o eixo dos x de q1 para q2 e o eixo dos y de q1 para q3, as forças resultantes, Fi, sobre cada uma das três cargas obtêm-se observando o diagrama das forças:

F1 =F12ıˆ+F13ȷˆ=(1.35ıˆ+3.15ȷˆ)mN
F2 =(F23cosθF21)ıˆF23sinθȷˆ=(0.122ıˆ0.708ȷˆ)mN
F3 =F32cosθıˆ+(F32sinθF31)ȷˆ=(1.23ıˆ2.44ȷˆ)mN
Problema 1.4

Três cargas pontuais estão ligadas por dois fios isoladores de 2.65 cm cada (ver figura). Calcule a tensão em cada fio.

Resolução. Tal como no problema anterior, usaremos k=0.08988, as cargas em nC e as distâncias em cm; as forças assim obtidas estarão em mN.

Sobre cada uma das partículas atuam forças elétricas e tensões nos fios aos que estejam ligadas. Como este sistema está em equilíbrio, a força resultante sobre cada uma das 3 partículas deverá ser nula. Como tal, temos 3 condições de equilíbrio com apenas 2 incógnitas, que são as tensões nos dois fios.

Basta então considerar apenas as condições de equilíbrio para duas das partículas. Os diagramas de forças para as cargas de 3.2 nC e 7.4 nC (designadas de q1 e q3) são os seguintes:

onde Ta é a tensão no fio do lado esquerdo e Tb a tensão no fio do lado direito. Observe-se que q1 não está em contacto com o fio da direita e, por isso, Tb não atua sobre essa partícula. De forma análoga para q3. No entanto, as forças elétricas atuam à distância, sem ter de existir contacto entre as partículas; sobre cada uma das 3 partículas atuam as forças elétricas produzidas pelas outras duas partículas.

A condição de equilíbrio para a carga q1 é

Ta=F12+F13

Como tal, a tensão no fio do lado esquerdo é (unidades SI):

Ta=0.08988(3.2×5.12.652+3.2×7.4(2×2.65)2)=0.285mN=285μN

A condição de equilíbrio para a carga q3 é

Tb=F31+F32

que conduz à tensão no fio do lado direito:

Tb=0.08988(7.4×5.12.652+7.4×3.2(2×2.65)2)=0.559mN=559μN

Se tivéssemos optado por usar a condição de equilíbrio para a partícula q2, no diagrama das forças há que ter em conta que atuam as tensões dos dois fios, porque essa partícula está em contacto com os dois fios:

E a respetiva condição de equilíbrio é

Ta+F23=Tb+F21

equação essa que podia ter sido resolvida em simultâneo com alguma das duas equações para q1 ou q3, obtendo-se a mesma resposta, já que esta terceira condição obtém-se subtraindo as duas primeiras condições, e tendo em conta que para quaisquer índices i e j, Fij é igual a Fji.

Problema 1.5

A soma dos valores de duas cargas pontuais q1 e q2 é q1+q2=10 µC. Quando estão afastadas 3 m entre si, o módulo da força exercida por cada uma delas sobre a outra é 24 mN. Determine os valores de q1 e q2, se: (a) Ambas cargas são positivas. (b) Uma das cargas é positiva e a outra negativa.

Resolução. Para poder usar os números simples do enunciado (10 e 3), usaremos as mesmas unidades do enunciado: cargas em µC, distâncias em metros e forças em mN. Como tal, o valor que usaremos para a constante de Coulomb será:

k=8.988×109Nm2C2=8.988×109103mNm21012μC2=8.988mNm2μC2

A primeira condição, nas unidades escolhidas, é:

q1+q2=10

Observe-se que q1 e q2 poderão ter valores positivos ou negativos.

(a) Se as duas cargas são positivas, o produto entre elas, q1q2, também é positivo. Como tal, na lei de Coulomb o produto dos valores absolutos das cargas pode ser substituído pelo produto das cargas: |q1||q2|=q1q2, e a condição para que o módulo da força seja 24 mN é:

8.988q1q29=24

Substituindo q2 por 10q1 nesta equação, obtém-se a equação quadrática:

8.988q1289.88q1+216=0

e a fórmula resolvente para equações quadráticas conduz aos valores das duas cargas:

q1=4.02μC  q2=5.98μC

As duas cargas aparecem como possíveis soluções para q1, porque a designação de qual das partículas é a 1 e qual a 2 é arbitrária.

(b) Quando os sinais das cargas são opostos, q1q2 será negativo. Como tal, o produto dos valores absolutos deverá ser substituído por: |q1||q2|=q1q2, e a condição para a força é

8.988q1q29=24

Substituindo q2 por 10q1 nesta equação, obtém-se a equação quadrática:

8.988q1289.88q1216=0

e as duas cargas são:

q1=2.00μC  q2=12.00μC
Problema 1.6

Duas pequenas esferas condutoras, com cargas q1=+300 nC e q2=+500 nC, e com a mesma massa m, são coladas a dois fios isoladores, cada um com 8 cm de comprimento. Os fios são logo colados numa barra horizontal, em dois pontos a uma distância d=15 cm entre si. A repulsão eletrostática entre as cargas faz com que os dois fios se inclinem um ângulo θ=10 em relação à vertical. Determine o valor da massa m.

Resolução. Os diagramas de corpo livre das duas esferas são os seguintes:

onde T1 e T2 são as tensões nos dois fios, F12 é a força elétrica da esfera 2 sobre a esfera 1 e F21 é a força elétrica da esfera 1 sobre a esfera 2.

Realmente basta um dos diagramas para determinar o valor de m. E como a soma das 3 forças externas sobre cada esfera é nula, por estarem em repouso, e os módulos das forças elétricas F21 e F12 são iguais, os módulos das duas tensões são iguais e os dois diagramas são equivalentes.

A distância entre as duas esferas (em metros) é,

r=0.15+2×0.08×sin(10)=0.17778

E, usando a lei de Coulomb,

F21=F12=8.988×109×3×107×5×1070.177782=0.042657N

A soma das 3 forças igual a zero implica que a soma das suas componentes, ao longo de qualquer direção, é nula. Em particular, a soma das componentes na direção tangente indicada na figura é igual a:

mgcos(80)F12cos(10)=0
m=F12cos(10)gcos(80)=0.042657cos(10)9.807cos(80)=0.0247kg

A massa das esferas é de 24.7 gramas.

Problema 1.7

Quatro cargas pontuais q1=12nC, q2=5nC, q3=9nC e q4=27nC encontram-se nos vértices de um tetraedro regular de aresta d=21cm. Determine o módulo da força resultante sobre a carga q4.

Resolução. Os três eixos coordenados podem ser escolhidos como mostra a figura seguinte, com a carga q3 na origem, a carga q2 no eixo dos x e a carga q1 sobre o plano xz.

Como tal, os vetores posição de q3 e q2 são

r3=0  r2=dȷˆ

A figura seguinte mostra as três cargas q1, q2 e q3 no plano xy, nos vértices dum triângulo equilátero de aresta d.

O vetor posição da carga q1 é então,

r1=d2(3ıˆ+ȷˆ)

Na figura anterior, o ponto P encontra-se a uma distância 3d/6 do eixo dos y e a uma distância 3d/3 de q1. A carga q4 encontrar-se-á por cima do ponto P. A figura seguinte mostra o ponto P e as cargas q1 e q4, com uma distância d entre elas.

A altura desse triângulo retângulo é

d239d2=63d

Como tal, o vetor posição da carga q4 é

r4=d(36ıˆ+12ȷˆ+63kˆ)

Os três versores que determinam a direção de q4 relativa a cada uma das outras três cargas são:

rˆ4/1 =33ıˆ+63kˆ
rˆ4/2 =36ıˆ12ȷˆ+63kˆ
rˆ4/3 =36ıˆ+12ȷˆ+63kˆ

As 3 forças elétricas sobre a partícula 4 calculam-se a partir da lei de Coulomb e a força resultante é a soma dessas 3 forças

F4=kq4d2(q1rˆ4/1+q2rˆ4/2+q3rˆ4/3)

Como a aresta do tetraedro é dada em centímetros, convém usar a constante k nas unidades seguintes:

k=89.88μNcm2nC2

O resultado obtido para a força sobre a partícula 4 é

F4=5.5029(1433ıˆ+7ȷˆ863kˆ)F4=69.0μN.
Problema 1.8

Um eletrão desloca-se no sentido positivo do eixo dos x sob a ação de um campo elétrico. A expressão da sua velocidade é 1300e3x, onde a coordenada x é dada em metros e a velocidade em m/s. Determine a expressão do campo elétrico Ex, ao longo do eixo dos x, em N/C (a massa dum eletrão é 9.109×1031 kg).

Resolução. A partir da expressão da velocidade encontra-se a expressão para a aceleração em função de x

a =dvdt=dvdxdxdt=vdvdx=1300e3x(3900e3x)
=507×104e6x

E a expressão do campo elétrico é:

E =Fq=mae=9.109×1031×507×1041.602×1019e6x
=28.8×106e6x(NC)

Observe-se que o eletrão desloca-se no sentido positivo do eixo dos x e o campo também aponta nesse sentido. A carga negativa do eletrão implica força no sentido oposto (aceleração no sentido negativo do eixo dos x), que faz abrandar o eletrão de forma que a sua velocidade aproxima-se assimptoticamente de 0.