Jaime E. Villate.
Universidade do Porto, Portugal, 2025.
Vamos considerar um sistema que é a combinação de dois sistemas com spin. Em cada um desses sistemas usaremos como base os dois estados próprios da matriz : . Para distinguir os operadores que atuam no primeiro sistema dos que atuam no segundo sistema, usaremos índices 1 e 2. Assim por exemplo, os operadores de spin no primeiro sistema são , e , e os operadores de spin no segundo sistema são , e . Ambos são representados pelas matrizes de Pauli.
O sistema combinado, de dimensão 4, é o produto externo dos dois espaços de dimensão 2. A base que usaremos nesse espaço é a combinação das bases dos dois sistemas, representada por:
Cada ket é o produto externo de um ket da base do primeiro sistema e um ket da base do segundo sistema. O produto interno entre dois desses kets calcula-se da forma seguinte:
Como tal, a base do sistema combinado é também uma base ortonormal:
Um operador linear nesse espaço de dimensão 4 é definido pelo seu resultado quando atua nos 4 elementos da base (7.1). Em particular, um operador escrito como , corresponde a dois operadores no espaço de dimensão 2; o primeiro operador, , atua na primeira parte do ket , e o segundo operador, , atua na segunda parte. Dois exemplos são os seguintes:
Um ket qualquer no espaço dos dois spins pode ser escrito como combinação geral da base (7.1):
com quatro componentes que podem ser quaisquer números complexos.
O módulo ao quadrado de cada um desses números, , é a probabilidade de se obterem os valores e na medição simultânea das componentes dos spins dos dois sistemas. Após esse resultado, o estado colapsa para .
A probabilidade de obter, por exemplo, o resultado quando apenas a componente do spin do primeiro sistema for medida, seria , e nesse caso o sistema colapsava para as duas componentes em que aparece na primeira posição; esse estado, normalizado, seria:
Se o estado do primeiro sistema for e o estado do segundo sistema for , cada um desses estados pode ser escrito em função das componentes na base do respetivo espaço de dimensão 2:
E a combinação desses dois estados conduz ao seguinte estado no espaço combinado dos dois spins:
Trata-se de um caso particular do estado geral (7.5), com . Dado um ket geral, escrito na forma (7.5), podemos determinar se corresponde ao produto externo de dois estados independentes, se as quatro componentes verificam as seguintes duas condições:
A primeira expressão é igual à relação entre as componentes do estado do primeiro sistema, e a segunda expressão é a relação entre as componentes do estado do segundo sistema. Com essas relações e a condição de que os estados estejam normalizados, determinam-se cada um dos estados independentes.
Quando alguma das duas condições (7.9), ou as duas, não forem verdadeiras, é impossível escrever o estado como o produto externo de dois estados independentes. Nesse caso o estado é designado por entrelaçado. Um exemplo são os seguintes 4 estados:
Por exemplo, no caso de , o quociente é igual a infinito, enquanto que é igual a zero. A designação S e T é habitual. S vem do inglês singlet e T do inglês triplet.
Quando o estado do sistema combinado é entrelaçado, nada pode ser concluído sobre o estado de cada sistema por separado. Mas a medição do spin de um dos sistemas permite concluir com que spin ficará o outro sistema. Por exemplo, se o estado do sistema combinado for o ket da equação (7.10) e medirmos a componente do spin do primeiro sistema obtendo o resultado , o estado colapsa para e podemos concluir que a componente do spin do segundo sistema é igual a .
Os quatro estados , , e são ortogonais entre si e têm norma igual a 1. Como tal, constituem uma base ortonormal do espaço dos dois spins combinados. Todos os elementos da base são estados entrelaçados, mas obviamente algumas combinações lineares deles conduzem a estados não entrelaçados.
O resultado de aplicar o operador no estado (7.8) é:
e, multiplicando pelo bra correspondente ao ket (7.8), obtém-se o valor esperado de nesse estado:
onde foi usada a condição de normalizaçao de , nomeadamente, .
De forma análoga, aplicando no estado (7.8) obtém-se:
E o valor esperado de nesse estado é:
Já no caso do operador ,
E o valor esperado de é:
Os resultados (7.15), (7.17) e (7.19) mostram que os valores esperados das componentes do spin do primeiro sistema são independentes do estado do segundo sistema.
A soma dos quadrados dos valores esperados dos três operadores de spin é:
Dependendo dos valores das componentes e o valor esperado do vetor spin terá diferentes componentes , e , mas o seu módulo será sempre igual a 1.
Vejamos agora como será o valor esperado do spin do primeiro sistema, se o estado combinado dos dois sistemas for um estado entrelaçado. Por exemplo, se o estado for o ket da equação (7.10), os valores esperados das três componentes do spin do primeiro sistema serão:
O valor esperado de cada uma das três componentes é nulo, e o valor esperado do vetor é também nulo. O mesmo acontece se o estado for qualquer outro dos estados entrelaçados , ou .
Aplicando simultaneamente os operadores e , ao estado (7.10) obtém-se:
isto é, é vetor próprio de com valor próprio . A medição simultânea da componente do spin dos dois sistemas dá metade das vezes para o primeiro sistema e para o segundo sistema, e a outra metade das vezes dá para o primeiro sistema e para o segundo sistema. O produto dos resultados obtidos para os dois sistemas é sempre .
O mesmo resultado obtém-se para o estado , que também é vetor próprio de com valor próprio . Já e são vetores próprios de com valor próprio . A medição da componente dos spins dos dois sistemas dá sempre o mesmo resultado nos dois sistemas; metade das vezes obtém-se em ambos sistemas, e a outra metade das vezes obtém-se nos dois. Esta propriedade dos estados entrelaçados é usada em criptografia quântica e em teleportação (envio de informação entre locais remotos, de forma instantânea).
Os kets no espaço de dimensão 4 podem ser representados por matrizes com uma coluna e quatro linhas, que são as quatro componentes do ket na base usada. O respetivo bra será uma matriz de uma linha e quatro colunas, em que cada coluna é o conjugado complexo da respetiva componente:
Se as matrizes de dois operadores e que atuam em cada um dos sistemas por separado são:
O efeito do produto externo entre esses operadores, num ket do espaço combinado é o de multiplicar a matriz do ket, à esquerda, pela matriz:
7.1. O estado de um sistema de dois spins é:
Mostre que pode ser escrito como produto externo de dois estados independentes dos dois spins, e encontre cada um desses dois estados.
Resolução. As relações entre as componentes é:
Como as duas igualdades (7.9) são válidas, fica demonstrado que o estado é o produto externo de dois estados independentes. A relação entre as componentes do estado do primeiro sistema, , é :
e como a soma deverá ser igual a 1, as duas componentes têm módulo igual a , e para garantir podemos escolher real positiva, e imaginária positiva:
A relação entre as componentes do estado do segundo sistema, , é :
e como a soma deve ser 1, e . A condição pode ser garantida escolhendo real positiva, e imaginária positiva:
7.2. O estado de um sistema de dois spins é o mesmo do exercício anterior. Qual é a probabilidade de obter o valor quando for medida a componente do spin do primeiro sistema? Imediatamente após esse resultado, qual seria o estado do sistema?
Resolução. A probabilidade é igual à soma dos quadrados dos módulos das componentes onde aparece na primeira posição:
Observe-se que, tal como foi demostrado no exercício anterior, o estado deste sistema combinado é o produto externo dos estados independentes dos dois sistemas. Como tal, a probabilidade também podia ter sido calculada como a probabilidade de obter o resultado no estado do primeiro sistema.
Após a medição, o estado colapsa para as duas primeiras componentes do estado . Normalizando o estado, o resultado fica:
Observe-se que este estado é equivalente a qualquer outro obtido multiplicando por um número complexo de módulo 1. Para comparar com o resultado do problema anterior, multiplicaremos por para obter:
que é igual ao produto externo de com o estado obtido no problema anterior:
Isto mostra que outra forma de ter obtido o resultado consiste em colapsar o estado do primeiro sistema para , e calcular o produto externo com o estado do segundo sistema, que permanece inalterado.