Introdução à Mecânica Quântica

Jaime E. Villate.
Universidade do Porto, Portugal, 2025.

2. Espaços vetoriais com coeficientes complexos

2.1. Definição

Um espaço vetorial com coeficientes complexos é um conjunto de elementos |Ψ, que designaremos por kets, com duas operações que verificam 7 axiomas. As duas operações são:

  1. Soma. A soma de dois kets |Ψ e |Φ é igual a outro ket |Υ=|Ψ+|Φ.
  2. Produto por número complexo. O produto de um ket |Ψ e um número complexo z, é igual a outro ket |Φ=z|Ψ.

Axiomas:

  1. Associatividade da soma: |Ψ+(|Φ+|Υ)=(|Ψ+|Φ)+|Υ
  2. Comutatividade da soma: |Ψ+|Φ=|Φ+|Ψ
  3. Ket nulo. Existe um ket |0, tal que, para todo ket |Ψ:
    |Ψ+|0=|Ψ
  4. Inverso. Para cada ket |Ψ existe um ket inverso |Ψ, tal que:
    |Ψ+|Ψ=|0
  5. Associatividade do produto: z(w|Ψ)=(zw)|Ψ
  6. Distributividade da soma: z(|Ψ+|Φ)=z|Ψ+z|Φ
  7. Distributividade do produto: (z+w)|Ψ=z|Ψ+w|Ψ

Observe que estamos a utilizar o mesmo símbolo + para a soma vetorial entre kets e para a soma de números complexos. Deverá ficar claro, de acordo com o contexto, qual das somas representa o operador +. Por exemplo, no lado esquerdo do axioma (VII) trata-se de uma soma entre complexos, enquanto que no lado direito é uma soma vetorial.

Algumas consequências desses axiomas são as seguintes:

  1. O ket nulo é único: Se existisse outro ket nulo, |0¯, tal que |Ψ+|0~=|Ψ para qualquer ket |Ψ, então, em particular,
    |0+|0~=|0
    pelos axiomas (II) e (III), o lado esquerdo é igual a |0~, e conclui-se que |0~=|0.
  2. O produto do número 0 por qualquer ket é igual ao ket nulo:
    0|Ψ+z|Ψ=(0+z)|Ψ=z|Ψ
    0|Ψ=|0
  3. O ket nulo multiplicado por qualquer número complexo é igual ao próprio ket nulo:
    z|Ψ+z|0=z(|Ψ+|0)=z|Ψ
    z|0=|0
  4. Qualquer ket multiplicado pelo número 1 é igual ao ket original:
    z(1|Ψ)=(z×1)|Ψ=z|Ψ
    1|Ψ=|Ψ
  5. O ket inverso de qualquer ket é sempre único, e igual a 1 vezes o ket:
    |Ψ+(1)|Ψ=1|Ψ+(1)|Ψ=|0
    |Ψ=(1)|Ψ

2.2. Produto interno

Admitiremos que no espaço dos kets, para além das duas operações que o tornam um espaço vetorial, existe outra operação: o produto interno entre dois kets |Ψ e |Φ, que é um número complexo z, e é indicado colocando um ponto entre os kets:

(|Ψ,|Φ)=z

Os axiomas do produto interno são os seguintes:

  1. Não comutatividade: (|Ψ,|Φ)=(|Φ,|Ψ)
  2. Distributividade com a soma:
    (|Ψ,(|Φ+|Υ))=(|Ψ,|Φ)+(|Ψ,|Υ)
  3. Produto por número complexo: (|Ψ,z|Φ)=z(|Ψ,|Φ)
  4. O produto de um ket por si próprio é um número real, positivo se o ket não for nulo, ou zero no caso do ket nulo: (|Ψ,|Ψ)0

Apesar do produto interno não ser comutativo, a distributividade (propriedade (II)) também é valida com o produto no lado direito:

((|Ψ+|Φ),|Υ)=(|Υ,(|Ψ+|Φ))=(|Υ,|Ψ)+(|Υ,|Φ)
=(|Ψ,|Υ)+(|Φ,|Υ)

E também observe-se que na propriedade (III) o número complexo z multiplicava o segundo ket no produto. Se estivesse a multiplicar o primeiro ket, o seu conjugado ficava a multiplicar o produto dos kets:

(z|Ψ,|Φ)=(|Φ,z|Ψ)=(z(|Φ,|Ψ))
=z(|Ψ,|Φ)

A propriedade (IV) do produto interno permite-nos definir a norma (também designada por magnitude ou módulo) de um ket, da forma seguinte:

Ψ=(|Ψ,|Ψ)
(2.1)

Uma propriedade importante do produto interno é desigualdade de Cauchy-Schwarz:

|(|Ψ,|Φ)|ΨΦ
(2.2)

e no caso em que os dois lados são iguais implica que um dos kets é igual ao outro, multiplicado por um número complexo. A desigualdade de Cauchy-Schwarz permite definir o ângulo entre dos kets (cosseno inverso da expressão no lado esquerdo da equação (2.2), dividido pelo lado direito). No caso em que um dos kets é igual ao outro vezes um número complexo, os kets são paralelos, e no caso em que o produto interno entre os kets é igual a zero, os kets são perpendiculares:

(|Ψ,|Φ)=0|Ψ|Φ
(2.3)

Um ket pode e sempre ser "normalizado", ou seja transformado num outro ket paralelo mas com norma igual a 1, multiplicando pelo inverso da sua norma. Se |ϕ representa o ket normalizado, paralelo a |Φ, temos então:

|ϕ=|ΦΦ
(2.4)

2.3. Combinações lineares

Dados n kets diferentes, |Ψ1, |Ψ2, …, |Ψn, e n números complexos zi quaisquer, a expressão,

i=1nzi|Ψi=z1|Ψ1+z2|Ψ2++zn|Ψn
(2.5)

é outro ket, designado por combinação linear. Todas a possíveis combinações lineares dos n kets |Ψi (com diferentes números complexos), formam um sub-espaço do espaço vetorial; isto é, a soma de kets nesse conjunto, e os produto de um desses ket por qualquer complexo, é também uma combinação linear dos mesmos kets.

2.4. Independência linear

O ket nulo |0 está incluído em qualquer combinação linear (2.5) de kets, obtido quando todas as constantes zi sejam nulas. Em alguns casos, existem outros conjuntos de números zi, diferentes de zero, que fazem com que a combinação linear (2.5) seja igual ao ket nulo. Por exemplo, com dois kets paralelos |Ψ e |Φ=2|Ψ, a combinação linear:

z1|Ψ+z2|Φ

será igual a |0 se z1=z2=0, ou se z1=2 e z2=1. Nesse caso diz-se que os kets |Ψ e |Φ são linearmente dependentes.

Um conjunto de n kets |Ψi, todos diferentes de |0, é linearmente independente, se a equação:

i=1nzi|Ψi=|0
(2.6)

tem uma única solução z1=z2==zn=0.

2.5. Bases

Uma base de um espaço vetorial de dimensão n é um conjunto de n kets {|Bi}, linearmente independentes, que geram todo o espaço vetorial. Qualquer ket |Ψ pode então ser obtido como combinação linear dos kets da base:

|Ψ=i=1nzi|Bi
(2.7)

É sempre possível construir uma base: escolhe-se um ket qualquer, |B1, a seguir escolhe-se um segundo ket |B2 que não esteja no sub-espaço z1|B1, um ket |B3 que não esteja no sub-espaço z1|B1+z2|B2, e assim sucessivamente até gerar toro o espaço.

2.5.1. Bases ortonormais

Uma base ortonormal {|ei} é uma base em que todos os kets são perpendiculares entre sim e têm norma igual a 1. A condição de ortonormalidade pode ser escrita:

(|ei,|ej)=δij
(2.8)

para quaisquer índeices i e j, entre 1 e n, que podem ser iguais, onde δij é o delta de Kronecker:

δij={0,ij1,i=j
(2.9)

2.5.2. Procedimento de Gram-Schmidt

Para transformar uma base {|Bi} numa base ortonormal {|ei}, começa-se por "normalizar" o primeiro elemento, dividindo pela sua própria norma:

|e1=|B1B1
(2.10)

A seguir, calcula-se a componente de |B2 perpendicular a |e1, subtraindo a |B2 a sua componente paralela a |e1:

|B2=|B2(|e1,|B2)|e1
(2.11)

O segundo ket da base ortonormal obtém-se normalizando |B2

|e2=|B2B2
(2.12)

A componente de |B3 perpendicular a |e1 e |e2 é:

|B3=|B3(|e1,|B3)|e1(|e2,|B3)|e2
(2.13)

e o terceiro ket da base ortonormal é:

|e3=|B3B3
(2.14)

Procede-se de fomra semelhante até se obter o último elemento da base, |en.

2.6. Componentes

Dada uma base ortonormal {|ei}, qualquer ket |Ψ pode ser escrito como combinação linear da base:

|Ψ=i=1nΨi|ei
(2.15)

onde os números complexos Ψi são as componentes de |Ψ nessa base, e podem ser obtidas multiplicando a expressão (2.15) por |ej:

(|ej,|Ψ)=i=1n(|ej,Ψi|ei)=i=1nΨi(|ej,|ei)=i=1nΨiδij
(2.16)

e como tal, cada componente Ψj é igual ao produto interno de |ej com o ket |Ψ:

Ψj=(|ej,|Ψ)
(2.17)

O produto interno entre dois kets pode ser escrito em função das suas componentes:

(|Φ,|Ψ)=i=1nj=1n(Φi|ei,Ψj|ej)=i=1nj=1nΦiΨjδij
(2.18)

que conduz a que o produto interno é a soma do complexo conjugado das componentes do primeiro ket, multiplicadas pelas respetivas componentes do segundo ket:

(|Φ,|Ψ)=i=1nΦiΨi
(2.19)

A expressão (2.19), no caso particular |Φ=|Ψ, conduz a relação entre a norma e as componentes de um ket:

Ψ2=i=1n|Ψi|2
(2.20)

2.7. Funções lineares

Uma função F no espaço dos kets associa a cada ket |Ψ um número complexo z, ou seja,

F(|Ψ)=z
(2.21)

Diz-se que a função F é linear, se verificar a seguinte propriedade, para quaisquer dos kets |Ψ e |Φ, e quaisquer dois números complexos u e w:

F(u|Ψ+v|Φ)=uF(|Ψ)+vF(|Φ)
(2.22)

Definem-se a soma de dos funções F e G, e o produto de uma função por um número complexo,

F+G=HwF=K
(2.23)

tal que H e K são duas novas funções definidas por:

H(|Ψ)=F(|Ψ)+G(|Ψ)K(|Ψ)=wF(|Ψ)
(2.24)

Com essas definições, pode conferir-se que a soma de funções lineares e o produto de números complexos por funções lineares verificam os 7 axiomas dos espaços vetoriais. Como tal, as funções lineares são também um espaço vetorial.

Uma função linear F atuando nos elementos de uma base ortonormal {|ei}, dá n números complexos que designaremos por Fi:

F(|ei)=Fi
(2.25)

Como qualquer |Ψ pode ser escrito como combinação linear da base, e usando a propriedade de linearidade de F temos então:

F(|Ψ)=F(i=1nΨi|ei)=i=1nΨiF(|ei)=i=1nΨiFi
(2.26)

e, usando a expressão (2.19), vemos que, para qualquer ket |Ψ, o efeito do operador linear é simplesmente:

F(|Ψ)=(|F,|Ψ)
(2.27)

em que o ket |F foi definido por:

|F=i=1nFi|ei
(2.28)

2.8. Dualidade

A expressão (2.28) mostra que para cada função linear F existe um ket |F, cujo produto interno com qualquer outro ket dá o mesmo resultado de aplicar a função F nesse outro ket. Como tal, existe uma correspondência um a um entre funções lineares e kets, e a dimensão do espaço vetorial de funções lineares tem a mesma dimensão do espaço vetorial dos kets. Diz-se que o espaço das funções lineares é o espaço dual do espaço dos kets; designaremos cada elemento F desse espaço por bra, e usaremos a notação F| para o bra F. O resultado de aplicar a função F num ket |Ψ denota-se da forma seguinte:

F(|Ψ)=F|Ψ=i=1nFiΨi
(2.29)

onde foi usado resultado (2.26). O produto entre um bra e um ket, F|Ψ, é designado por "bracket" (as duas barras verticais do bra e do ket foram contraídas numa única barra).

Tendo em conta as expressões (2.29) e (2.19), vemos que um bracket Φ|Ψ pode ser interpretado como o produto interno entre os kets |Φ e |Ψ, ou como uma função linear Φ a atuar num ket |Ψ:

Φ|Ψ=(|Φ,|Ψ)=Φ(|Ψ)
(2.30)

O papeis de espaço dos kets e dos bras podem ser trocados, usando a propriedade anticomutativa do produto interno:

Φ|Ψ=Ψ|Φ
(2.31)

isto é, o espaço dual do dual é o espaço original.

Os resultados obtidos nas secções anteriores podem ser escritos de forma mais compacta usando a notação de brackets para o produto interno. A condição de ortonormalidade da base {ei} é,

ei|ej=δij
(2.32)

e as componentes (2.17) dum ket |Ψ na base ortonormal {ei} são,

Ψj=ej|ΨΨj=Ψ|ej
(2.33)

O que mostra que o efeito da função correspondente ao bra ej| é extrair a componente j de um ket. A expressão de um ket como combinação linear da base é:

|Ψ=i=1nei|Ψ|ei
(2.34)

E o produto interno em função das componentes dos kets é,

Φ|Ψ=i=1nΦiΨi
(2.35)

e, como a componente Ψi nessa soma é igual a ei|Ψ, concluímos que a combinação linear do bra Φ| associado ao ket (2.34), em função da base, é:

Φ|=i=1nΦi|eiei|
(2.36)

O conjunto de n bras {ei|} é a base ortonormal do espaço dual dos bras, associada à base {|ei} no espaço dos kets.

O bracket de um ket com si próprio é igual à sua norma ao quadrado:

Ψ|Ψ=Ψ2
(2.37)

2.9. Operadores lineares

Um operador Ω^ no espaço dos kets associa a cada ket |Ψ um outro ket |Υ:

Ω^|Ψ=|Υ
(2.38)

A expressão Φ|Ω^|Ψ é o produto interno entre o ket |Φ e o ket Ω^|Ψ.

O operador é linear se, para quaisquer dois kets |Ψ e |Φ, e números complexos u e w,

Ω^(u|Ψ+w|Φ)=uΩ^|Ψ+wΩ^|Φ
(2.39)

O resultado do operador Ω^ atuando em cada elemento da base {|ei} é um ket que pode ser escrito como combinação linear da própria base:

Ω^|ej=k=1nΩkj|ek
(2.40)

onde Ωkj são as componentes do operador (n2 números complexos). Multiplicando ei| por cada um dos lados da equação anterior, vemos que cada componente do operador é:

Ωij=ei|Ω^|ej
(2.41)

Usando a propriedade de linearidade do operador Ω^, o resultado da sua aplicação a um ket |Ψ é:

Ω^|Ψ=Ω^j=1nΨj|ej=j=1nΨi(Ω^|ej)=i=1nj=1nΩijΨj|ei
(2.42)

E o produto com um bra Φ| é igual a,

Φ|Ω^|Ψ=i=1nj=1nΦiΩijΨj
(2.43)

No caso em que o bra na expressão (2.43) for Ψ| correspondente ao ket |Ψ, essa expressão define Ω^, designado por valor esperado do operador Ω^ no ket |Ψ:

Ω^=Ψ|Ω^|Ψ=i=1nj=1nΨiΩijΨj
(2.44)

2.9.3. Operador adjunto

A cada operador linear Ω^ associa-se um outro operador adjunto, denotado por Ω^, que verifica a seguinte propriedade, para quaisquer dois kets |Φ e |Ψ:

Φ|Ω^|Ψ=Ψ|Ω^|Φ
(2.45)

Substituindo o operador Ω^ na expressão (2.43), valida para qualquer operador linear, obtemos,

Ψ|Ω^|Φ=(i=1nj=1nΨiΩijΦj)=i=1nj=1nΨj(Ωji)Φi
(2.46)

onde trocamos os nomes dos índices i e j na última expressão. Como, de acordo com a definição (2.45), este resultado deverá ser igual à expressão (2.43), conclui-se que a relação entre as componentes do operador adjunto e o operador original é:

Ωji=Ωij
(2.47)

2.9.4. Operadores hermíticos

Um operador hermítico é um operador que é igual ao seu operador adjunto:

Ω^=Ω^
(2.48)

A partir das equações (2.45) e (2.48) obtém-se:

Ω^=Ψ|Ω^|Ψ=Ψ|Ω^|Ψ=Ω^
(2.49)

isto é, o valor esperado de um operador hermítico, em qualquer ket |Ψ, é sempre um valor real.

2.10. Representação matricial

Uma forma útil de trabalhar com kets, bras e brackets consiste em representar as n componentes de um ket Ψ por uma matriz com uma coluna e n linhas:

|Ψ=[Ψ1Ψ2Ψn]
(2.50)

E o bra associado a um ket |Φ é a matriz de uma linha e n, transpota da matriz do ket, com todos os seus elementos trocados pelo respetivo conjugado complexo:

Φ|=[Φ1Φ2Φn]
(2.51)

assim, um bracket e igual ao produto entre uma matriz linha e uma matriz coluna, dando como resultado um número complexo:

Φ|Ψ=[Φ1Φ2Φn][Ψ1Ψ2Ψn]=i=1nΦiΨi
(2.52)

Nessa representação, um operador é uma matriz de n linhas e n colunas, em que cada elemento da matriz é a respectiva componente do operador:

Ω^=[Ω11Ω12Ω1nΩ21Ω22Ω2nΩn1Ωn2Ωnn]
(2.53)

A equação (2.40) indica que cada coluna da matriz do operador são os coeficientes do resultado do operador atuando no respetivo elemento da base, escrito como combinação linear da base. Por exemplo, a terceira coluna serão os coeficientes do resultado Ω^|e3 escrito como combinação linear dos kets da base.

A forma matricial da expressão (2.43) é:

Φ|Ω^|Ψ=[Φ1Φ2Φn][Ω11Ω12Ω1nΩ21Ω22Ω2nΩn1Ωn2Ωnn][Ψ1Ψ2Ψn]
(2.54)

A equação (2.47) implica que a matriz do operador adjunto é a matriz transposta e conjugada da matriz do operador original, e a equação (2.45) implica que a expressão (2.54) também pode ser escrita como:

Φ|Ω^|Ψ=([Ψ1Ψ2Ψn][Ω11Ω21Ωn1Ω12Ω22Ωn2Ω1nΩ2nΩnn][Φ1Φ2Φn])
(2.55)

2.11. Valores e vetores próprios

Os vetores próprios de um operador Ω^ são todos os kets |Ωj (diferentes do ket nul |0), que verificam a condição:

Ω^|Ωj=Ωj|Ωj
(2.56)

onde Ωj é um número complexo, designado por valor próprio. A definição (2.56) é equivalente a dizer que o resultado de aplicar o operador num ket que seja um dos seus vetores próprios, é o mesmo ket multiplicado por uma constante.

Se um ket |Ωj é vetor próprio de Ω^, com valor próprio Ωj, qualquer número complexo multiplicado por |Ωj é também vetor próprio, com o mesmo valor próprio Ωj. Os vetores próprios formam assim um subespaço vetorial. Em alguns casos, existem dois ou mais vetores próprios linearmente independentes, correspondentes ao mesmo valor próprio; a dimensão dos espaço dos vetores próprios correspondentes a um valor próprio é o número máximo desses vetores que seja linearmente independente.

Usando a representação matricial do operador Ω^, e do ket |Ωj, a expressão (2.56) é um sistema de n equações:

[Ω11Ω12Ω1nΩ21Ω22Ω2nΩn1Ωn2Ωnn][x1x2xn]=Ωj[x1x2xn]
(2.57)

em que x1, x2, …, xn são as componentes do ket próprio |Ωj. Encontrar os valores próprios da matriz de Ω^ consiste em determinar para que valores Ωj o esse sistema tem soluções para as variáveis xk, dadas as n2 constantes Ωij. E caso existam soluções para um número Ωj, cada uma dessas soluções define um ket próprio correspondente a esse valor próprio Ωj.

As n equações, agrupando as variáveis xk no lado esquerdo são:

(Ω11Ωj)x1+Ω12x2+Ω1nxn=0Ω21x1+(Ω22Ωj)x2+Ω2nxn=0Ωn1x1+Ωn2x2+(ΩnnΩj)xn=0
(2.58)

Obviamente x1=x2==xn=0 é solução desse sistema de equações. Para que existam outras soluções é necessário que pelo menos uma das equações no sistema seja uma combinação das outras, ficando pelo menos uma variável livre que pode ter qualquer valor. O número de variáveis livres será a dimensão do espaço desses vetores próprios. Uma condição necessária, e suficiente, para que as equações sejam linearmente dependentes entre si, é que o determinante do sistema de equações (2.58) seja nulo:

|Ω11ΩjΩ12Ω1nΩ21Ω22ΩjΩ2nΩn1Ωn2ΩnnΩj|=0
(2.59)

A expressão anterior conduz a um polinómio de grau n para a variável Ωj. Cada raiz desse polinómio é um possível valor próprio. Substituindo um valor próprio no sistema (2.58) obtém-se um sistema com variáveis livres; um possível valor das variáveis livre dá um dos possíveis vetores próprios.

Se o operador Ω^ for hermítico, todos os seus valores próprios serão reais, e os vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes serão perpendiculares entre si (a demonstração é feita no exercício 2.3). Os vetores próprios de um operador hermítico, normalizados, constituem assim uma base ortonormal do espaço vetorial.

Exercícios

2.1. Em função da base ortonormal {|e1,|e2} a representação de dois kets é:

|Ψ=i|e13|e2|Φ=2|e1+i4|e2

Calcule: (a) A sua diferença, |Ψ|Φ. (b) O seu produto interno, Ψ|Φ.

Resolução. Este problema pode ser resolvido trabalhando diretamente com os kets, ou com a sua representação matricial. O primeiro método é:

(a) |Ψ|Φ=(i|e13|e2)(2|e1+i4|e2)
=(i2))|e1(3+i4)|e2

(b) Ψ|Φ=(ie1|3e2|)(2|e1+i4|e2)
=i2e1|e1+4e1|e26e2|e1i12e2|e2
Como e1|e2=e2|e1=0, e e1|e1=e2|e2=1, então:
Ψ|Φ=i2i12=i14

Usando matrizes a resolução é:

(a)

|Ψ|Φ=[i3][2i4]=[2+i3i4]=(i2))|e1(3+i4)|e2

(b)

Ψ|Φ=[i3][2i4]=i2i12=i14

2.2. Num espaço de kets com base ortonormal {|e1,|e2,|e3} (dimensão 3), o operador R^ que roda todos os kets 90 no plano dos kets |e2 e |e3, tem o seguinte efeito sobre os elementos da base:

R^|e1=|e1R^|e2=|e3R^|e3=|e2

Escreva a representação matricial do operador R^ e determine os seus valores e vetores próprios.

Resolução. As três colunas da matriz são os lados direitos das três expressões dadas, tendo em conta que o número que multiplica ao ket |ei é o número na linha i da respetiva coluna. A matriz do operador é:

R^=[100001010]

Para determinar os valores próprios, resolve-se a equação:

|1Ri000Ri101Ri|=0

que conduz a uma equação quadrática com 3 raízes diferentes:

Ri2(1Ri)+1Ri=0(1Ri)(Ri2+1)=0
R1=1,R2=i,R3=i

Os vetores próprios correspondentes a R1=1 são as soluções do sistema:

[000011011][xyz]=[000]

A primeira equação é trivial (0=0); as segunda e terceira equação são,

y+z=0yz=0

que conduzem a y=0 e z=0. A componente x pode ter qualquer valor; um possível valor próprio, com norma igual a 1, obtém-se com x=1:

|R1=[100]|R1=|e1

Os vetores próprios correspondentes a R2=I são as soluções do sistema:

[1i000i101i][xyz]=[000]

A primeira equação, (1i)x=0, implica que x=0. As segunda e terceira equação são,

iy=zy=iz

que são iguais (a primeira dividida por i dá a segunda). Usando a primeira equação, o quadrado da norma dos vetores próprios é:

||R2|2=|x|2+|y|2+|z|2=y2+|iy|2=2y2

um possível valor próprio, com norma igual a 1, obtém-se com y=1/2:

|R2=12[01i]|R2=12(|e2i|e3)

Finalmente vetores próprios correspondentes a R3=I são as soluções do sistema:

[1+i000i101i][xyz]=[000]

A primeira equação implica x=0. As segunda e terceira equação são,

iy=zy=iz

que são iguais. Usando a primeira equação, o quadrado da norma dos vetores próprios é:

||R3|2=|x|2+|y|2+|z|2=y2+|iy|2=2y2

e podemos escolher y=1/2 para que a norma seja 1, o que conduz a:

|R3=12[01i]|R3=12(|e2+i|e3)

2.3. Demonstre que os valores próprios de um operador hermítico são todos números reais, e que dois vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes são perpendiculares entre si.

Resolução. Seja |Ωi um vetor próprio do operador hermítico Ω^. De acordo com a equação (2.49), o valor esperado de Ω^ nesse ket,

Ωi|Ω^|Ωi

é um número real. Mas como o produto do operador e o ket próprio é igual ao respetivo valor próprio vezes o ket, temos que:

Ωi|Ω^|Ωi=ΩiΩi|Ωi

E, como Ωi|Ωi é um número real e positivo (norma Ωi ao quadrado), então o valor próprio Ωi deverá ser um número real.

Para demostrar que vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes são perpendiculares, consideremos dois valores próprios diferentes, Ωi e Ωj, ambos números reais, e dois vetores próprios |Ωi e |Ωj correspondentes a esses valores próprios. Temos que,

Ωi|Ω^|Ωj=ΩjΩi|Ωj

E, usando a expressão (2.45) e o facto de que Ω^ é hermítico,

Ωi|Ω^|Ωj=Ωj|Ω^|Ωi=(ΩiΩj|Ωi)=ΩiΩi|Ωj

Subtraindo estas duas últimas equações, obtemos:

(ΩjΩi)Ωi|Ωj=0

e como os dois valores próprios são diferentes, (ΩjΩi) é diferente de zero e, como tal:

Ωi|Ωj=0

ou seja, os vetores próprios |Ωi e |Ωj são perpendiculares.