Jaime E. Villate.
Universidade do Porto, Portugal, 2025.
Um espaço vetorial com coeficientes complexos é um conjunto de elementos , que designaremos por kets, com duas operações que verificam 7 axiomas. As duas operações são:
Axiomas:
Observe que estamos a utilizar o mesmo símbolo para a soma vetorial entre kets e para a soma de números complexos. Deverá ficar claro, de acordo com o contexto, qual das somas representa o operador . Por exemplo, no lado esquerdo do axioma (VII) trata-se de uma soma entre complexos, enquanto que no lado direito é uma soma vetorial.
Algumas consequências desses axiomas são as seguintes:
Admitiremos que no espaço dos kets, para além das duas operações que o tornam um espaço vetorial, existe outra operação: o produto interno entre dois kets e , que é um número complexo , e é indicado colocando um ponto entre os kets:
Os axiomas do produto interno são os seguintes:
Apesar do produto interno não ser comutativo, a distributividade (propriedade (II)) também é valida com o produto no lado direito:
E também observe-se que na propriedade (III) o número complexo multiplicava o segundo ket no produto. Se estivesse a multiplicar o primeiro ket, o seu conjugado ficava a multiplicar o produto dos kets:
A propriedade (IV) do produto interno permite-nos definir a norma (também designada por magnitude ou módulo) de um ket, da forma seguinte:
Uma propriedade importante do produto interno é desigualdade de Cauchy-Schwarz:
e no caso em que os dois lados são iguais implica que um dos kets é igual ao outro, multiplicado por um número complexo. A desigualdade de Cauchy-Schwarz permite definir o ângulo entre dos kets (cosseno inverso da expressão no lado esquerdo da equação (2.2), dividido pelo lado direito). No caso em que um dos kets é igual ao outro vezes um número complexo, os kets são paralelos, e no caso em que o produto interno entre os kets é igual a zero, os kets são perpendiculares:
Um ket pode e sempre ser "normalizado", ou seja transformado num outro ket paralelo mas com norma igual a 1, multiplicando pelo inverso da sua norma. Se representa o ket normalizado, paralelo a , temos então:
Dados kets diferentes, , , …, , e números complexos quaisquer, a expressão,
é outro ket, designado por combinação linear. Todas a possíveis combinações lineares dos kets (com diferentes números complexos), formam um sub-espaço do espaço vetorial; isto é, a soma de kets nesse conjunto, e os produto de um desses ket por qualquer complexo, é também uma combinação linear dos mesmos kets.
O ket nulo está incluído em qualquer combinação linear (2.5) de kets, obtido quando todas as constantes sejam nulas. Em alguns casos, existem outros conjuntos de números , diferentes de zero, que fazem com que a combinação linear (2.5) seja igual ao ket nulo. Por exemplo, com dois kets paralelos e , a combinação linear:
será igual a se , ou se e . Nesse caso diz-se que os kets e são linearmente dependentes.
Um conjunto de kets , todos diferentes de , é linearmente independente, se a equação:
tem uma única solução .
Uma base de um espaço vetorial de dimensão é um conjunto de kets , linearmente independentes, que geram todo o espaço vetorial. Qualquer ket pode então ser obtido como combinação linear dos kets da base:
É sempre possível construir uma base: escolhe-se um ket qualquer, , a seguir escolhe-se um segundo ket que não esteja no sub-espaço , um ket que não esteja no sub-espaço , e assim sucessivamente até gerar toro o espaço.
Uma base ortonormal é uma base em que todos os kets são perpendiculares entre sim e têm norma igual a 1. A condição de ortonormalidade pode ser escrita:
para quaisquer índeices e , entre 1 e , que podem ser iguais, onde é o delta de Kronecker:
Para transformar uma base numa base ortonormal , começa-se por "normalizar" o primeiro elemento, dividindo pela sua própria norma:
A seguir, calcula-se a componente de perpendicular a , subtraindo a a sua componente paralela a :
O segundo ket da base ortonormal obtém-se normalizando
A componente de perpendicular a e é:
e o terceiro ket da base ortonormal é:
Procede-se de fomra semelhante até se obter o último elemento da base, .
Dada uma base ortonormal , qualquer ket pode ser escrito como combinação linear da base:
onde os números complexos são as componentes de nessa base, e podem ser obtidas multiplicando a expressão (2.15) por :
e como tal, cada componente é igual ao produto interno de com o ket :
O produto interno entre dois kets pode ser escrito em função das suas componentes:
que conduz a que o produto interno é a soma do complexo conjugado das componentes do primeiro ket, multiplicadas pelas respetivas componentes do segundo ket:
A expressão (2.19), no caso particular , conduz a relação entre a norma e as componentes de um ket:
Uma função no espaço dos kets associa a cada ket um número complexo , ou seja,
Diz-se que a função é linear, se verificar a seguinte propriedade, para quaisquer dos kets e , e quaisquer dois números complexos e :
Definem-se a soma de dos funções e , e o produto de uma função por um número complexo,
tal que e são duas novas funções definidas por:
Com essas definições, pode conferir-se que a soma de funções lineares e o produto de números complexos por funções lineares verificam os 7 axiomas dos espaços vetoriais. Como tal, as funções lineares são também um espaço vetorial.
Uma função linear atuando nos elementos de uma base ortonormal , dá números complexos que designaremos por :
Como qualquer pode ser escrito como combinação linear da base, e usando a propriedade de linearidade de temos então:
e, usando a expressão (2.19), vemos que, para qualquer ket , o efeito do operador linear é simplesmente:
em que o ket foi definido por:
A expressão (2.28) mostra que para cada função linear existe um ket , cujo produto interno com qualquer outro ket dá o mesmo resultado de aplicar a função nesse outro ket. Como tal, existe uma correspondência um a um entre funções lineares e kets, e a dimensão do espaço vetorial de funções lineares tem a mesma dimensão do espaço vetorial dos kets. Diz-se que o espaço das funções lineares é o espaço dual do espaço dos kets; designaremos cada elemento desse espaço por bra, e usaremos a notação para o bra . O resultado de aplicar a função num ket denota-se da forma seguinte:
onde foi usado resultado (2.26). O produto entre um bra e um ket, , é designado por "bracket" (as duas barras verticais do bra e do ket foram contraídas numa única barra).
Tendo em conta as expressões (2.29) e (2.19), vemos que um bracket pode ser interpretado como o produto interno entre os kets e , ou como uma função linear a atuar num ket :
O papeis de espaço dos kets e dos bras podem ser trocados, usando a propriedade anticomutativa do produto interno:
isto é, o espaço dual do dual é o espaço original.
Os resultados obtidos nas secções anteriores podem ser escritos de forma mais compacta usando a notação de brackets para o produto interno. A condição de ortonormalidade da base é,
e as componentes (2.17) dum ket na base ortonormal são,
O que mostra que o efeito da função correspondente ao bra é extrair a componente de um ket. A expressão de um ket como combinação linear da base é:
E o produto interno em função das componentes dos kets é,
e, como a componente nessa soma é igual a , concluímos que a combinação linear do bra associado ao ket (2.34), em função da base, é:
O conjunto de bras é a base ortonormal do espaço dual dos bras, associada à base no espaço dos kets.
O bracket de um ket com si próprio é igual à sua norma ao quadrado:
Um operador no espaço dos kets associa a cada ket um outro ket :
A expressão é o produto interno entre o ket e o ket .
O operador é linear se, para quaisquer dois kets e , e números complexos e ,
O resultado do operador atuando em cada elemento da base é um ket que pode ser escrito como combinação linear da própria base:
onde são as componentes do operador ( números complexos). Multiplicando por cada um dos lados da equação anterior, vemos que cada componente do operador é:
Usando a propriedade de linearidade do operador , o resultado da sua aplicação a um ket é:
E o produto com um bra é igual a,
No caso em que o bra na expressão (2.43) for correspondente ao ket , essa expressão define , designado por valor esperado do operador no ket :
A cada operador linear associa-se um outro operador adjunto, denotado por , que verifica a seguinte propriedade, para quaisquer dois kets e :
Substituindo o operador na expressão (2.43), valida para qualquer operador linear, obtemos,
onde trocamos os nomes dos índices e na última expressão. Como, de acordo com a definição (2.45), este resultado deverá ser igual à expressão (2.43), conclui-se que a relação entre as componentes do operador adjunto e o operador original é:
Um operador hermítico é um operador que é igual ao seu operador adjunto:
A partir das equações (2.45) e (2.48) obtém-se:
isto é, o valor esperado de um operador hermítico, em qualquer ket , é sempre um valor real.
Uma forma útil de trabalhar com kets, bras e brackets consiste em representar as componentes de um ket por uma matriz com uma coluna e linhas:
E o bra associado a um ket é a matriz de uma linha e , transpota da matriz do ket, com todos os seus elementos trocados pelo respetivo conjugado complexo:
assim, um bracket e igual ao produto entre uma matriz linha e uma matriz coluna, dando como resultado um número complexo:
Nessa representação, um operador é uma matriz de linhas e colunas, em que cada elemento da matriz é a respectiva componente do operador:
A equação (2.40) indica que cada coluna da matriz do operador são os coeficientes do resultado do operador atuando no respetivo elemento da base, escrito como combinação linear da base. Por exemplo, a terceira coluna serão os coeficientes do resultado escrito como combinação linear dos kets da base.
A forma matricial da expressão (2.43) é:
A equação (2.47) implica que a matriz do operador adjunto é a matriz transposta e conjugada da matriz do operador original, e a equação (2.45) implica que a expressão (2.54) também pode ser escrita como:
Os vetores próprios de um operador são todos os kets (diferentes do ket nul ), que verificam a condição:
onde é um número complexo, designado por valor próprio. A definição (2.56) é equivalente a dizer que o resultado de aplicar o operador num ket que seja um dos seus vetores próprios, é o mesmo ket multiplicado por uma constante.
Se um ket é vetor próprio de , com valor próprio , qualquer número complexo multiplicado por é também vetor próprio, com o mesmo valor próprio . Os vetores próprios formam assim um subespaço vetorial. Em alguns casos, existem dois ou mais vetores próprios linearmente independentes, correspondentes ao mesmo valor próprio; a dimensão dos espaço dos vetores próprios correspondentes a um valor próprio é o número máximo desses vetores que seja linearmente independente.
Usando a representação matricial do operador , e do ket , a expressão (2.56) é um sistema de equações:
em que , , …, são as componentes do ket próprio . Encontrar os valores próprios da matriz de consiste em determinar para que valores o esse sistema tem soluções para as variáveis , dadas as constantes . E caso existam soluções para um número , cada uma dessas soluções define um ket próprio correspondente a esse valor próprio .
As equações, agrupando as variáveis no lado esquerdo são:
Obviamente é solução desse sistema de equações. Para que existam outras soluções é necessário que pelo menos uma das equações no sistema seja uma combinação das outras, ficando pelo menos uma variável livre que pode ter qualquer valor. O número de variáveis livres será a dimensão do espaço desses vetores próprios. Uma condição necessária, e suficiente, para que as equações sejam linearmente dependentes entre si, é que o determinante do sistema de equações (2.58) seja nulo:
A expressão anterior conduz a um polinómio de grau para a variável . Cada raiz desse polinómio é um possível valor próprio. Substituindo um valor próprio no sistema (2.58) obtém-se um sistema com variáveis livres; um possível valor das variáveis livre dá um dos possíveis vetores próprios.
Se o operador for hermítico, todos os seus valores próprios serão reais, e os vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes serão perpendiculares entre si (a demonstração é feita no exercício 2.3). Os vetores próprios de um operador hermítico, normalizados, constituem assim uma base ortonormal do espaço vetorial.
Calcule: (a) A sua diferença, . (b) O seu produto interno, .
Resolução. Este problema pode ser resolvido trabalhando diretamente com os kets, ou com a sua representação matricial. O primeiro método é:
(a)
(b)
Como ,
e , então:
Usando matrizes a resolução é:
(a)
(b)
2.2. Num espaço de kets com base ortonormal (dimensão 3), o operador que roda todos os kets no plano dos kets e , tem o seguinte efeito sobre os elementos da base:
Escreva a representação matricial do operador e determine os seus valores e vetores próprios.
Resolução. As três colunas da matriz são os lados direitos das três expressões dadas, tendo em conta que o número que multiplica ao ket é o número na linha da respetiva coluna. A matriz do operador é:
Para determinar os valores próprios, resolve-se a equação:
que conduz a uma equação quadrática com 3 raízes diferentes:
Os vetores próprios correspondentes a são as soluções do sistema:
A primeira equação é trivial (); as segunda e terceira equação são,
que conduzem a e . A componente pode ter qualquer valor; um possível valor próprio, com norma igual a 1, obtém-se com :
Os vetores próprios correspondentes a são as soluções do sistema:
A primeira equação, , implica que . As segunda e terceira equação são,
que são iguais (a primeira dividida por dá a segunda). Usando a primeira equação, o quadrado da norma dos vetores próprios é:
um possível valor próprio, com norma igual a 1, obtém-se com :
Finalmente vetores próprios correspondentes a são as soluções do sistema:
A primeira equação implica . As segunda e terceira equação são,
que são iguais. Usando a primeira equação, o quadrado da norma dos vetores próprios é:
e podemos escolher para que a norma seja 1, o que conduz a:
2.3. Demonstre que os valores próprios de um operador hermítico são todos números reais, e que dois vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes são perpendiculares entre si.
Resolução. Seja um vetor próprio do operador hermítico . De acordo com a equação (2.49), o valor esperado de nesse ket,
é um número real. Mas como o produto do operador e o ket próprio é igual ao respetivo valor próprio vezes o ket, temos que:
E, como é um número real e positivo (norma ao quadrado), então o valor próprio deverá ser um número real.
Para demostrar que vetores próprios correspondentes a valores próprios diferentes são perpendiculares, consideremos dois valores próprios diferentes, e , ambos números reais, e dois vetores próprios e correspondentes a esses valores próprios. Temos que,
E, usando a expressão (2.45) e o facto de que é hermítico,
Subtraindo estas duas últimas equações, obtemos:
e como os dois valores próprios são diferentes, é diferente de zero e, como tal:
ou seja, os vetores próprios e são perpendiculares.