Jaime E. Villate.
Universidade do Porto, Portugal, 2025.
Na mecânica clássica, o movimento de uma partícula determina-se a partir da segunda lei de Newton: a força resultante sobre um corpo é igual à variação da sua quantidade de movimento, , em ordem ao tempo:
Se a massa do corpo é constante, a derivada da sua quantidade de movimento é igual à sua massa vezes a sua aceleração. No século XVII, Kepler determinou as acelerações dos planetas nas suas órbitas em torno do Sol. Newton, baseado nos resultados de Kepler, determinou a expressão da força gravítica do Sol sobre qualquer objeto em qualquer posição do sistema solar e mostrou que tem a mesma forma da força que a Terra exerce nos corpos na sua "esfera de influência" (vizinhança da Terra onde a atração do Sol é praticamente igual em todos os pontos mas a atração da Terra varia significativamente) e estudou como seria o movimento de qualquer corpo sob a ação de uma força gravítica.
Conhecida a expressão de uma força , a equação (3.1) permite determinar o movimento de um corpo sob a ação dessa força. Consideremos o caso em que o corpo só pode deslocar-se ao longo de uma curva. A posição do corpo ao longo da curva é dada por um comprimento de arco ao longo da curva. A cada instante , o estado do corpo é dado pela sua posição, , e a sua quantidade de movimento . Podemos representar os diferentes estados, em diferentes instantes, como pontos num plano com coordenadas e , designado por espaço de fase (figura 3.1).
Em cada instante , o estado corresponde a um ponto P no espaço de fase, com coordenadas:
A figura 3.1 mostra o estado num instante , e o estado num instante posterior . O estado só pode mudar de forma contínua no espaço de fase; como tal, existe uma curva contínua entre e , designada por curva de evolução, que inclui todos os estados no intervalo de tempo entre e . A cada instante, a derivada das coordenadas do estado P definem um vetor , tangente à curva de evolução, designado por velocidade de fase:
A figura 3.2 mostra a velocidade de fase no instante , e a velocidade de fase num instante intermédio entre e .
A derivada da posição em ordem ao tempo é a velocidade, , igual à sua quantidade de movimento, , dividida pela sua massa, . E de acordo com a segunda lei de Newton (3.1), a derivada da quantidade de movimento é a força resultante . Como tal, as componentes da velocidade de fase são:
Basta então conhecer a expressão de , que, em geral, é uma função que depende do tempo , da posição e da quantidade de movimento , para determinar a velocidade de fase em qualquer ponto do espaço de fase. A partir de um estado inicial (, ), a descrição do movimento do corpo obtém-se integrando a expressão da velocidade de fase, desde até um tempo posterior:
Observe-se que dois estados diferentes, nunca podem evoluir para o mesmo estado. Se assim fosse, as duas curvas de evolução, diferentes, encontravam-se num ponto comum, onde teríamos então duas direções tangentes á duas curvas e, como tal, duas velocidades de fase diferentes no mesmo ponto, que é impossível; em cada ponto a velocidade de fase está definida de forma única pela expressão (3.4).
O retrato de fase de um sistema mostra algumas curvas de evolução no espaço de fase. Por exemplo, a figura 3.3 mostra um sistema com quatro curvas de evolução que se aproximam do ponto . Se o estado inicial do sistema estiver num dos pontos , , ou , após algum tempo o estado estará muito próximo do ponto . No entanto, as curvas de evolução aproximam-se assimptoticamente desse ponto, sem chegar exatamente a ele. A velocidade de fase no ponto é nula, e esse ponto está isolado: nenhuma curva de evolução passa por ele. Se num instante o sistema estiver no estado , permanecerá sempre nesse mesmo estado, sem evoluir. Um ponto como , onde a velocidade de fase é nula, é designado por ponto de equilíbrio.
O retrato de fase de um sistema pode ser traçado calculando a velocidade de fase em alguns pontos, e identificando os pontos onde a velocidade de fase é nula (pontos de equilíbrio). Um retrato de fase permite saber como evoluirá o sistema em diferentes regiões do espaço de fase, sem ter de resolver a equação (3.5). Uma curva de evolução que regressa ao ponto inicial representa um movimento oscilatório, em que os valores da posição e da velocidade repetem-se periodicamente. Na secção seguinte veremos um exemplo muito importante.
A figura 3.4 mostra um cilindro de massa pendurado de uma mola com constante elástica . Se a massa se desloca na vertical, sem oscilar, o movimento é ao longo de uma reta vertical, e basta uma variável, a altura do cilindro, para determinar a sua posição em qualquer instante..
Há duas forças a atuar no objeto: o seu peso , para baixo, e a força da mola, dada pela lei de Hooke e apontando para a posição em que a mola não está alongada. Se a altura for medida de baixo para cima, com origem no ponto onde a mola não está alongada, a força resultante sobre o objeto é,
as componentes da velocidade e fase são então,
Existe um ponto de equilíbrio no espaço de fase, onde a velocidade de fase é nula:
que corresponde ao ponto onde a mola desceu unidades, pela ação do peso, e ficou em repouso. É útil mudar a variável para uma nova variável , de forma a que o ponto de equilíbrio fique na origem do espaço de fase, e a expressão da velocidade de fase fique mais simples. A mudança de variável que usaremos é:
Com essa mudança de variável a velocidade de fase passa a ser:
com módulo constante,
e perpendicular ao segmento desde a origem até o ponto no espaço de fase.
A figura 3.5 é o retrato de fase do oscilador harmónico, que mostra as possíveis curvas de evolução. Todos os possíveis movimentos são circumferências no espaço de fase, percorridas com velocidade de módulo constante, igual a .
Arbitrando no instante em que o estado passa pelo semieixo positivo , em , o ângulo que o estado faz com esse semieixo, em , é , e a posição é,
Substituindo na equação (3.9), a altura do cilindro, em função do tempo, é:
onde a amplitude do movimento é uma constante, , que depende da posição inicial, e o movimento é oscilatório com frequência:
Nos sistemas em que a força resultante depende apenas da posição e é conservativa, existe uma função energia potencial. No caso do movimento em uma dimensão, se a força resultante depende apenas da posição , é conservativa e a energia potencial é uma primitiva da força:
Define-se a função hamiltoniana,
e as duas componentes da velocidade de fase, são obtidas a partir das derivadas da função hamiltoniana:
No caso geral, um sistema com variáveis de estado e é designado por sistema hamiltoniano, se existe uma função hamiltoniana que permite calcular as expressões das derivadas temporais de e a partir das derivadas parciais de , de acordo com as equações de Hamilton (3.17).
No caso do oscilador harmónico simples da secção anterior, a energia potencial associada à força (3.6) é,
e a função hamiltoniana é,
e as duas equações de Hamilton são:
Num sistema com variáveis de estado (, ), definem-se os parênteses de Poisson de duas funções e igual à expressão,
Algumas propriedades importantes dos parênteses de Poisson são as seguintes:
A anticomutatividade implica que os parênteses de qualquer função com si própria são nulos: . A derivada em ordem ao tempo de qualquer função do estado, pode ser calculada pela regra da cadeia:
e, se o sistema é hamiltoniano, usando as equações de Hamilton temos,
conclui-se que a derivada temporal da função é igual aos parênteses de Poisson da função com a função hamiltoniana:
Isto é, a evolução temporal de qualquer função do estado é dada pelos parênteses de Poisson da função com a função hamiltoniana. As equações de Hamilton são dois casos particulares da equação geral (3.24), quando for igual a uma das variáveis de estado.
No caso mais geral, o estado de um sistema é dado por variáveis de posição: , ,…, e quantidades de movimento associadas a essas variáveis de posição: , ,…, . As funções de estado dependem dessas variáveis, e os parênteses de Poisson entre duas variáveis de estado são:
A função hamiltoniana é também uma função das variáveis de estado, e a derivada temporal de qualquer função de estado é igual aos parênteses de Poisson da função com a função hamiltoniana.
Resolução. Desenvolvendo o primeiro termo na identidade de Jacobi temos:
e calculando as derivadas dos produtos obtêm-se oito termos:
O segundo e terceiro termos na identidade de Jacobi obtêm-se permutando as funções , e , de forma cíclica no resultado anterior:
Observando os oito termos em cada uma das expressões (3.26), (3.27) e (3.28), observa-se que os termos 1 e 6 anulam-se entre as equações (3.26) e (3.28), e entre (3.28) e (3.27); os termos 2 e 3 anulam-se entre (3.26) e (3.27), e entre (3.27) e (3.28); os termos 4 e 7 anulam-se entre (3.26) e (3.27), e entre (3.28) e (3.26); e, finalmente, os termos 5 e 8 anulam-se entre (3.26) e (3.28), e entre (3.27) e (3.26).
3.2. O momento angular de um corpo é o produto vetorial entre o seu vetor posição e a sua quantidade de movimento:
Calcule os três parênteses de Poisson:
Resolução. Há seis variáveis de estado, as três coordenadas cartesianas, , e , e as três componentes da quantidade de movimento, , e .
O produto vetorial entre e conduz às componentes do momento angular:
Os parênteses entre e são iguais a:
e derivando as expressões (3.29) obtém-se:
De forma análoga,
e a partir de (3.29) unicamente os dois primeiros termos são diferentes de zero e são iguais a:
Finalmente,
em que unicamente os terceiro e quarto termos são diferentes de zero e conduzem a: