eletricidade

C. Transformada de Laplace

C.1 Definição

Neste apêndice apresenta-se apenas um sumário sobre a transformada de Laplace. Um estudo mais completo do tema encontra-se nos livros de matemática para engenharia ou nos livros sobre equações diferenciais, por exemplo: An Introduction to Differential Equations and their Applications (Farlow, 1994).

Define-se a transformada de Laplace de uma função f ( t ) como o integral:

(C.1)
L { f ( t ) } = 0 f ( t )e s t d t

Note-se que o resultado desse integral já não depende de t mas sim do parâmetro s , que se admite ser um número real.

Neste livro, para representar a transformada de Laplace, utiliza-se um til por cima da letra que representa a função. Por exemplo, ˜ g ( s ) é a função obtida por aplicação da transformada de Laplace à função g ( t ) .

A variável s tem as unidades de inverso do tempo, ou seja unidades de frequência, já que o expoente s t é adimensional. Assim sendo, g ( t ) e ˜ g ( s ) costumam ser designadas de representações da função no domínio do tempo e no domínio da frequência, respetivamente.

Tal como no caso da derivação, uma forma rápida de calcular a transformada de uma função é por meio de algumas regras simples que se vão obter nas secções seguintes. A transformada inversa de uma função ˜ f ( s ) é a função f ( t ) cuja transformada de Laplace é igual a ˜ f ( s ) .

Para que a transformada de Laplace de uma função f ( t ) exista, é necessário que f ( t ) observe as duas propriedades seguintes:

  1. A função tem de ser parcelarmente contínua, isto é, f ( t ) pode ter alguns pontos isolados onde é descontínua, mas é necessariamente contínua em cada intervalo entre dois pontos de descontinuidade.
  2. A função f ( t ) deve ser de ordem exponencial: existe um número real a tal que o limite
    (C.2)
    lim t →∞ | f ( t ) | e a t
    existe. O domínio da respetiva transformada de Laplace ˜ f ( t ) é s > a .

Note-se que no cálculo da transformada de Laplace não interessa a forma como a função seja definida para t ≤ 0. Isto é devido ao intervalo de integração usado na definição da transformada. É possível usar outros intervalos diferentes, mas o intervalo t > 0 é particularmente útil nos problemas físicos estudados neste livro, em que unicamente interessa a evolução de um sistema físico a partir de um instante inicial arbitrado t = 0.

C.2. Propriedades

C.2.1. Linearidade

Para quaisquer duas funções f ( t ) e g ( t ) e duas constantes a e b , verifica-se:

(C.3)
L { a f ( t ) + b g ( t ) } = a ˜ f ( s ) + b ˜ g ( s )

e a transformada inversa também é um operador linear:

(C.4)
L 1 { a ˜ f ( s ) + b ˜ g ( s ) } = a f ( t ) + b g ( t )

C.2.2. Derivada da transformada

A derivada da transformada de f ( t ) , em ordem à frequência s é,

(C.5)
d˜ f d s = d d s 0 f ( t )e s t d t = 0 t f ( t )e s t d t = L { t f ( t ) }

e derivando sucessivamente n vezes conclui-se que

(C.6)
L { t n f ( t ) } = ( 1) n d n ˜ f d s n

C.2.3. Transformada da derivada

A transformada da derivada de f ( t ) em ordem ao tempo está relacionada com a própria transformada de f ( t ) . Integrando por partes no integral que define a transformada, obtém-se:

(C.7)
L { f } = 0 f e s t d t = f e s t 0 + s 0 f e s t d t

o último integral é a transformada de f ( t ) e no primeiro termo, o limite de f e s t quando t tende para infinito é zero, já que f ( t ) é uma função de ordem exponencial. Como tal, obtém-se a relação seguinte:

(C.8)
˜( f ) = s ˜ f f (0)

A transformada de derivadas de ordem superior calcula-se aplicando a mesma propriedade vezes sucessivas, por exemplo, a transformada da segunda derivada é igual a:

(C.9)
L { f  } = s ˜( f ) f (0) = s s ˜ f f (0) f (0) = s 2 ˜ f s f (0) f (0)

C.2.4. Deslocamento na frequência

A transformada do produto entre uma função exponencial e outra função qualquer é:

(C.10)
L { e a t f ( t ) } = 0 f e ( a s ) t d t = ˜ f ( s a )

Nomeadamente, quando se multiplica uma função por e a t , no domínio do tempo, a sua representação no domínio das frequências é desloca-se a unidades no sentido positivo do eixo da frequência s .

C.2.5. Deslocamento no tempo

Define-se a função degrau unitário, ou função de Heaviside, como:

(C.11)
u ( t a ) = 0 , t a 1 , t > a

Como tal, o produto,

(C.12)

é a função f ( t ) deslocada uma distância a no sentido positivo do eixo do tempo t , sendo nula para t < a . Calculando a transformada de Laplace desse produto obtém-se:

L { u ( t a ) f ( t a ) } = a f ( t a )e s t d t = 0 f ( r )e s ( r + a ) d r = e a s 0 f ( r )e s r d r

e conclui-se que:

(C.13)
L { u ( t a ) f ( t a ) } = e a s ˜ f ( s )

Isto é, quando a função é deslocada a unidades no sentido positivo do tempo t , a sua representação no domínio da frequência fica multiplicada por e a s .

Note-se que no caso particular a = 0, esta propriedade implica que a transformada de u ( t ) f ( t ) é idêntica à transformada de f ( t ) ; o produto u ( t ) f ( t ) simplesmente torna o resultado nulo para t ≤ 0 deixando a função igual para t > 0 e como já foi dito, no cálculo da transformada de Laplace apenas interessa a definição da função para t > 0.

Esta propriedade é muito útil para calcular as transformadas de Laplace de funções com descontinuidades. Uma outra forma equivalente é

(C.14)
L { u ( t a ) f ( t ) } = e a s L { f ( t + a ) }

C.3. Transformadas de funções importantes

C.3.1. Polinómios

A transformada de t p , onde p é qualquer número real, pode ser simplificada usando a mudança de variável u = s t

(C.15)
L { t p } = 0 t p e s t d t = 0 u s p e u d u s = s ( p + 1) 0 u p e u d u

e este último integral é a função gama de p + 1 ; como tal, a transformada de t p é

(C.16)
L { t p } = Γ p + 1 s p + 1

em particular, quando p é um número inteiro positivo n , a função gama de n + 1 é igual ao fatorial de n e obtém-se:

(C.17)
L { t n } = n ! s n + 1

e para n = 0

(C.18)
L { 1 } = 1 s

C.3.2. Funções exponenciais

Aplicando a propriedade de deslocamento na frequência s , com f ( t ) = 1 e tendo em conta que L { 1 } = 1/ s , obtém-se a transformada da função exponencial,

(C.19)
L { e a t } = 1 s a

e como a derivada de 1/( s a ) é 1/( s a ) 2 , usando a propriedade da derivada da transformada conclui-se:

(C.20)
L { t e a t } = 1 ( s a ) 2

O mesmo resultado pode ser obtido a partir da transformada de t e usando a propriedade de deslocamento em s .

C.3.3. Funções sinusoidais

Para calcular a transformada de Laplace das funções sinusoidais é conveniente usar a fórmula de Euler:

(C.21)
f ( t ) = f máx cos ω t + ϕ = Re f máx e i( ω t + ϕ ) = Re f máx e i ϕ e i ω t

onde Re { z } é a função que dá a parte real dum número complexo z . Assim sendo, a transformada de Laplace da função sinusoidal f ( t ) é:

(C.22)
˜ f ( s ) = L Re f máx e i ϕ e i ω t = Re f máx e i ϕ L e i ω t = Re f máx e i ϕ s i ω

Definindo o fasor F da função sinusoidal f ( t ) como o produto f máx e i ϕ , a transformada de Laplace da função sinusoidal é então:

(C.23)
L { f máx cos ω t + ϕ } = Re F s i ω

onde F é o respetivo fasor. Como sin x = Re ie i x , conclui-se também que:

(C.24)
L { f máx sin ω t + ϕ } = Re i F s i ω

C.3.4. Função impulso unitário

A função impulso unitário, ou função delta de Dirac, δ ( t a ) , é a derivada da função degrau unitário u ( t a ) . Note-se que não é realmente uma função, porque em t = a a função u ( t a ) é descontínua e a sua derivada não existe.

Pode imaginar-se δ ( t a ) imaginando uma função degrau que não muda abruptamente de 0 para 1, em t = a , mas sim aumenta gradualmente de 0 para 1 num pequeno intervalo que inclui t = a ; como tal, δ ( t a ) é nula excepto nesse pequeno intervalo em que o degrau unitário passa de 0 para 1 e a área total sob δ ( t a ) deve ser igual a 1; no limite em que o comprimento desse intervalo se aproxima para zero, o valor de δ ( t a ) aproxima-se de infinito, em t = a , e de zero em qualquer outro valor de t .

Uma função f ( t ) , contínua em a , verifica a propriedade seguinte:

(C.25)
t −∞ f ( z ) δ ( z a )d z = 0 , t a f ( a ) , t > a

A transformada da função impulso unitário é a transformada da derivada da função degrau unitário. Aplicando a propriedade da transformada da derivada, obtém-se:

(C.26)
L { δ ( t a ) } = e a s

As propriedades da transformada de Laplace e as transformadas das funções calculadas nas secções anteriores encontram-se resumidas na tabela C.1.

Tabela C.1: Propriedades da transformada de Laplace.
  Função        Transformada  
f ( t ) ˜ f ( s )
t n n ! s n + 1
e a t f ( t ) ˜ f ( s a )
f ( t ) s ˜ f ( s ) f (0)
t 0 f ( z )d z 1 s ˜ f ( s )
t f ( t ) d˜ f d s
f ( t ) t s ˜ f ( r )d r
u ( t a ) f ( t a ) e a s ˜ f ( s )
u ( t a ) f ( t ) e a s L { f ( t + a ) }
δ ( t a ) e a s
f t a a ˜ f ( a s )
f máx cos ω t + ϕ Re F s i ω
f máx sin ω t + ϕ Re i F s i ω