9. Indução eletromagnética

Jaime E. Villate e Luís Miguel Martelo
(21 de dezembro de 2023)

Michael Faraday (1791–1867)

Em 1820, após a descoberta de Ørsted (1777–1851), que a corrente elétrica produz campo magnético, muitos investigadores tentaram produzir o efeito inverso: produzir corrente elétrica usando campos magnéticos. Joseph Henry (1797–1878) e, de forma independente, Michael Faraday, mostraram que era possível produzir corrente elétrica usando campo magnético variável ou condutores em movimento dentro dum campo magnético estático. Quando em 1831 Faraday publicou os seus resultados, o trabalho de Henry era ainda desconhecido. Como tal, a descoberta desse fenómeno (indução eletromagnética) é atribuída a Faraday.

9.1 Campo elétrico induzido

A força sobre uma partícula de carga q numa região onde existem campos elétrico e/ou magnético é dada pela expressão da força de Lorentz, introduzida no capítulo 7,

F=q(E+v×B) (9.1)

e deverá dar o mesmo resultado em qualquer referencial inercial, já que a aceleração é igual em todos os referenciais inerciais. Isso é possível porque os campos elétrico e magnético têm diferentes valores em diferentes referenciais. É mais correto considerar que existe um campo eletromagnético, igual em qualquer referencial, mas com componentes elétrica e magnética que podem ser diferentes em diferentes referenciais.

Consideremos uma barra condutora em movimento numa região onde existe campo magnético uniforme, B, como na figura 9.1, e não existe campo elétrico. No referencial do laboratório, (xlab, ylab), em que o campo B é estático e o condutor está em movimento, a força de Lorentz sobre cada partícula com carga q no condutor é igual a:

F=qv×B (9.2)

que é devida unicamente à parte magnética da força de Lorentz.

Condutor em movimento num campo magnético uniforme.
Figura 9.1: Condutor em movimento num campo magnético uniforme.

Já no referencial (xcond, ycond), fixo ao condutor (ver figura 9.2), a velocidade do condutor é nula, mas o campo magnético B não é estático, uma vez que o referencial do laboratório tem velocidade v relativa ao referencial fixo ao condutor.

Campo elétrico induzido no referencial fixo ao condutor,
onde o campo magnético aparece em movimento.
Figura 9.2: Campo elétrico induzido no referencial fixo ao condutor, onde o campo magnético aparece em movimento.

O movimento das linhas de campo magnético, no referencial do condutor, induz campo elétrico nesse referencial dado pela expressão:

Ei=v×B (9.3)

No referencial do condutor a força de Lorentz conduz à mesma força (9.2), que é agora devida unicamente à parte elétrica. Nesse referencial, para além do campo elétrico Ei existe também o campo magnético B, uniforme mas não-estático, mas a parte magnética da força é nula porque o condutor está em repouso.

Num terceiro referencial, com velocidade av em relação ao primeiro referencial do laboratório (a é um parâmetro real diferente de zero e de 1), a velocidade do condutor relativa a esse referencial é (1a)v e a velocidade das linhas de campo magnético relativa a esse referencial é av. Nesse referencial existe campo magnético uniforme B e campo elétrico induzido:

Ei=av×B (9.4)

a força de Lorentz nesse referencial tem componentes elétrica e magnética, e a soma delas é igual à força nos outros dois referenciais:

F=q[av×B+(1a)v×B]=qv×B (9.5)

O campo elétrico induzido num condutor produz corrente elétrica no sentido da sua componente tangencial ao condutor. É como se no condutor existisse uma f.e.m. induzida igual ao integral de linha do campo induzido ao longo do condutor:

εi=condEidr (9.6)

ligada no sentido que produz corrente no sentido da componente tangente do campo induzido.

No caso da barra condutora da figura 9.2, o campo elétrico induzido aponta na direção da barra e o resultado do integral na equação (9.6) é:

εi=l|v×B| (9.7)

em que l é o comprimento da barra.

A grande diferença entre o campo elétrico induzido por campos magnéticos não-estáticos e o campo elétrico produzido por cargas (campo eletrostático), é que o primeiro não tem de ser conservativo como no caso do campo eletrostático. O integral (9.6) pode ser diferente de zero como veremos nas secções seguintes.

Exemplo 9.1

O dispositivo na figura seguinte é chamado gerador de Faraday. Um disco condutor, de raio R, roda com velocidade angular ω dentro de um campo magnético uniforme e perpendicular ao disco.

Determine a f.e.m. induzida entre o eixo do disco e um ponto na sua periferia.

Resolução. A velocidade v dum ponto no disco, é tangencial, no plano do disco. O seu produto vetorial com o campo magnético B é na direção radial e com módulo vB. Nos pontos que estão a uma distância r do eixo, o módulo da velocidade é ωr e o módulo do campo elétrico induzido é igual a:

Ei=Bωr (9.8)

A f.e.m. induzida entre o eixo do disco e um ponto na sua periferia é igual ao integral de linha do campo elétrico induzido Ei entre esses pontos

εi=PQEidr=0REidr=12BωR2 (9.9)

9.2 Fluxo magnético

Define-se fluxo magnético através duma superfície S, igual ao integral de superfície do campo magnético:

ΦS=SBdA (9.10)

A continuidade do campo magnético implica que o integral em (9.10) é igual a um valor médio da componente normal do campo na superfície, B¯n, vezes a área da superfície:

ΦS=B¯nA (9.11)

A f.e.m. induzida num condutor em movimento num campo magnético pode ser também obtida em função do fluxo magnético que atravessa o condutor, por unidade de tempo, como se mostra no seguinte exemplo.

Exemplo 9.2

Uma barra condutora, de comprimento h, desliza sobre dois trilhos metálicos paralelos, com velocidade v. Os extremos dos trilhos estão ligados a duas resistências R1 e R2, como mostra a figura. Dentro do retângulo delimitado pelos trilhos e as resistências há campo magnético B uniforme, perpendicular a ele e para dentro da figura. Determine a f.e.m. induzida na barra e mostre que é igual ao fluxo magnético que atravessa a barra, por unidade de tempo.

Resolução. O produto vetorial v×B tem módulo igual a vB e aponta na direção tangente à barra. Como tal, usando a equação (9.7), a f.e.m. induzida na barra é igual a:

εi=h|v×B|=vBh

Num intervalo de tempo Δt, as linhas de campo deslocam-se uma distância Δs=vΔt em relação à barra. O fluxo magnético que passa através da barra nesse intervalo é igual ao módulo do campo vezes a área, A=hΔs (o campo é normal a essa área):

ΔΦ=BhvΔt

e o fluxo por unidade de tempo ΔΦ/Δt é igual à f.e.m. induzida, vBh.

9.2.1 Lei de Faraday

Em geral, quando o fluxo magnético através duma superfície varia em função do tempo, existe campo elétrico induzido. A lei de Faraday estabelece que:

Em qualquer curva fechada e orientada, se o fluxo magnético através da superfície delimitada pela curva varia, é induzida na curva uma força eletromotriz igual à menos a derivada do fluxo em ordem ao tempo.

Ou seja, a f.e.m. induzida é dada pela expressão:

εi=dΦdt (9.12)

onde εi é a f.e.m. induzida ao longo da curva orientada, C na figura 9.3, e Φ é o fluxo magnético através da superfície S delimitada por C, no sentido do versor normal nˆ, definido pela regra da mão direita seguindo a direção da curva C.

Curva fechada e orientada e respetivo versor normal.
Figura 9.3: Curva fechada e orientada e respetivo versor normal.

Como já foi referido, a f.e.m. induzida εi é igual ao integral de linha do campo elétrico induzido, equação (9.6). Neste caso o percurso de integração é a curva fechada C e, como o integral de linha do campo eletrostático numa curva fechada é nulo,podemos escrever:

εi=CEdr (9.13)

onde E é o campo elétrico total, soma do campo eletrostático mais o campo elétrico induzido.

Na equação (9.12), o sinal de εi é o sinal do integral de linha do campo elétrico induzido ao longo da curva C. Se na curva C houver um fio condutor por onde pode circular corrente, a corrente induzida será no sentido de C se εi for positiva, ou no sentido oposto se εi for negativa.

Exemplo 9.3

A figura mostra um gerador de tensão alternada em que se faz rodar uma bobina dentro de um campo magnético uniforme; o fio onde começa a bobina está soldado a um anél condutor e o fim do fio, depois de ser enrolado na bobina, solda-se a outro anel condutor; enquanto a bobina roda, esses anéis mantêm-se em contato com duas escovas P e Q, que são os elétrodos do gerador.

Resolução. O fluxo magnético através da bobina é:

Φ=NBAcosθ

onde N é o número de espiras, B o módulo do campo, A a área de cada espira e θ o ângulo entre o campo e o versor normal à bobina.

A f.e.m. induzida entre os elétrodos do gerador é:

εi=dΦdt=NBAωsinθ

onde ω é a velocidade angular da bobina (derivada de θ em ordem ao tempo). Se ω for constante, o ângulo θ, em função do tempo, é dado por ωt+θ0, e a f.e.m. induzida é uma função sinusoidal:

εi(t)=εmáxsin(ωt+θ0) (9.14)

onde εmáx=NBAω. Esse tipo de tensão denomina-se tensão alternada.

O gerador de tensão alternada, também chamado alternador, usa-se para gerar energia elétrica a partir de energia mecânica. A fonte da energia mecânica, que faz rodar a bobina, pode ser o vento, nas centrais de energia eólica, a corrente da água, nas centrais hidroelétricas, etc.

9.2.2 Lei de Lenz

O sinal da f.e.m. induzida pode também ser determinado pela lei de Lenz:

A força eletromotriz induzida é sempre no sentido que produz corrente induzida que contraria a variação do fluxo magnético.

No exemplo apresentado na figura 9.4, em que um íman aproxima-se de uma espira condutora com velocidade v (ver problema 9.9.9), o fluxo magnético no anel é no sentido da esquerda para a direita e está a aumentar. Aparece então corrente induzida no anel, dando origem a fluxo magnético da direita para a esquerda, que contraria o aumento do fluxo externo. A corrente é no sentido indicado na figura, que pela regra da mão direita produz campo magnético de direita para esquerda.

Íman em movimento junto de uma espira condutora.
Figura 9.4: Íman em movimento junto de uma espira condutora.

No exemplo 9.2, a f.e.m. induzida na barra produz corrente de baixo para cima. A figura 9.5 mostra o circuito equivalente ao dispositivo, com uma fonte ideal ligada a duas resistências em paralelo.

Circuito equivalente no exemplo 
Figura 9.5: Circuito equivalente no exemplo 9.2.

Na malha do lado esquerdo há fluxo magnético para dentro da folha, que está a aumentar. A corrente nessa malha produz campo magnético para fora da folha, que contraria o aumento desse fluxo. Na malha do lado direito o fluxo magnético é também para dentro da folha, mas está a diminuir. O sentido da corrente nessa malha implica campo magnético para dentro da folha, que reforça o fluxo magnético, contrariando a sua diminuição.

9.3 Auto-indução

A corrente numa bobina produz campo magnético que atravessa a área delimitada pela bobina, como mostra a figura 9.6. A bobina produz fluxo magnético através de si própria e qualquer alteração da corrente na bobina dá origem a variação desse fluxo, produzindo força eletromotriz induzida, a qual contraria a alteração da corrente.

Campo magnético produzido pela corrente numa bobina.
Figura 9.6: Campo magnético produzido pela corrente numa bobina.

O campo magnético produzido pela bobina é diretamente proporcional à corrente. Como tal, o fluxo magnético produzido pela bobina sobre si própria é proporcional à corrente:

Φ=LI (9.15)

e a constante L chama-se indutância da bobina. A f.e.m. autoinduzida na bobina é igual a menos a derivada do fluxo magnético através dela:

εi=LdIdt (9.16)

Quanto maior for a área das espiras na bobina, maior é a sua indutância. E quanto maior for o número de espiras, N, na bobina, maior será também a área atravessada pelas linhas de campo e maior o módulo do campo magnético. A indutância de uma bobina com N espiras é diretamente proporcional a N2 (ver exemplo a seguir). A indutância da bobina é N2 vezes a indutância de cada uma das suas espiras separadamente:

Lbobina=N2Luma espira (9.17)

Todos os dispositivos têm indutância, mas geralmente o valor dessa indutância é muito baixo, podendo ser ignorado, exceto no caso das bobinas ou solenoides. Um dispositivo com indutância não-desprezável é chamado indutor. Usaremos algum dos diagramas de circuito na figura 9.7 para representar o indutor; no diagrama do lado esquerdo, o valor da f.e.m. autoinduzida é dada pela equação (9.16). No diagrama do lado direito, os sentidos da tensão V e a corrente I são definidos de forma consistente com o que temos feito em resistências e condensadores e a relação entre V e I é,

V=LdIdt (9.18)

O sinal positivo, em contraste com o sinal negativo na equação (9.16), é porque no lado esquerdo a f.e.m. induzida é um elemento ativo, com sentido consistente com o sentido da corrente, enquanto que no lado direito o indutor é visto como elemento passivo, com os sinais de V opostos aos sinais de εi.

Diagrama de circuito de um indutor.
Figura 9.7: Diagrama de circuito de um indutor.

O diagrama de circuito de uma bobina ou solenoide é uma resistência R em série com um indutor L (figura 9.8), sendo R a resistência elétrica da bobina ou solenoide. Admitindo I positiva no sentido de indicado na figura 9.8, a relação entre a diferença de potencial na bobina e a corrente através dela é a seguinte:

VPVQ=RI+LdIdt (9.19)
Diagrama de circuito de uma bobina ou solenoide.
Figura 9.8: Diagrama de circuito de uma bobina ou solenoide.

O primeiro termo na equação (9.19) é a lei de Ohm, consequência do efeito Joule na bobina (dissipação de energia elétrica em calor) e o segundo termo é a lei de Faraday, consequência da auto-indução na bobina.

No sistema internacional de unidades (SI), a unidade de indutância L é o henry,representado pela letra H. A partir da equação (9.18) podemos concluir que:

1H=1VsA=1Ωs (9.20)
Exemplo 9.4

Determine a indutância de um solenoide comprido, de comprimento l, com N espiras circulares de raio a.

Resolução. O campo magnético dentro do solenoide é aproximadamente uniforme e com módulo (equação (8.12)):

B=4πkmNIl

Como o campo é perpendicular ao plano das espiras, o fluxo através de cada espira é igual à sua área vezes o módulo do campo; o fluxo através do solenoide é N vezes o fluxo através de cada espira:

Φ=4π2kmN2a2Il

A indutância do solenoide é igual a:

L=4π2kmN2a2l

9.4 Circuitos com indutores

Num circuito com fontes de tensão contínua, as correntes atingem o estado estacionário em que permanecem constantes. Nesse estado, a equação (9.18) implica tensão nula em todos os indutores, mas a corrente neles pode ter qualquer valor. Como tal, no estado estacionário os indutores são equivalentes curtos-circuitos (condutores com resistência nula).

Em qualquer instante em que se altera o estado estacionário, por ligar ou desligar alguma fonte, ou por abrir ou fechar algum interruptor, a corrente nos indutores não muda de forma instantânea porque, de acordo com a equação (9.18), a derivada da corrente deve existir em qualquer instante, i.e., I(t) é uma função contínua. Já nas resistências, condensadores e fontes de tensão I(t) pode ter descontinuidades nos instantes em que se altera o estado estacionário. Contudo, nestes instantes a voltagem nos indutores não tem de ser nula.

Conclui-se então que em qualquer instante t0 em que é feita alguma mudança repentina no circuito, a voltagem num indutor pode ter qualquer valor, mas a corrente deverá ter o mesmo valor I0 que tinha imediatamente antes da mudança ter acontecido. Se no instante t0 em que se altera o estado estacionário do circuito a corrente no indutor é nula, o indutor é equivalente a um interruptor aberto, onde a corrente é nula, mas a sua voltagem pode ter um valor qualquer.

Após o instante t0 em que há uma alteração repentina do circuito, as correntes nos indutores mudam gradualmente (resposta transitória). Mas como não podem mudar indefinidamente, o circuito volta a atingir um outro estado estacionário em que as correntes nos indutores se aproximam de valores constantes.

Exemplo 9.5

Uma bobina com 10 Ω e 30 mH liga-se a duas resistências e a uma fonte de f.e.m. (ver figura). Determine a corrente na resistência de 2 kΩ, no instante em que se fecha o interruptor e muito tempo após esse instante. Qual a relação entre essas duas correntes?

Resolução. Como antes de ser fechado o interruptor não passa corrente pelo indutor, no instante inicial o indutor é equivalente a um interruptor aberto, ou seja, não circula corrente pela resistência de 10 Ω e é como se essa resistência e o indutor não existissem. Ignorando esses dois elementos, o circuito corresponde a uma única malha com a fonte e as duas resistências de 1 kΩ e 2 kΩ em série. Nesse instante, a corrente nessas duas resistências é:

I0=123000=4mA

Para calcular a corrente final, substitui-se o indutor por um curto-circuito:

as resistências de 2 kΩ e 10 Ω estão em paralelo, podendo ser substituídas por uma única resistência com valor 200010 = 2/201 kΩ, que fica em série com a resistência de 1 kΩ e a resistência equivalente entre os terminais da fonte é

R=1+2201=203201kΩ

a corrente final que sai da fonte é 12/R=2412/203 mA e a diferença de potencial na resistência de 2 kΩ é

ΔV=(2201)(2412203)=24203V

a corrente final na resistência de 2 kΩ é:

I=ΔVR=(24/203)2000=12203mA

A razão entre as correntes inicial e final é:

I0I=4(12/203)=2033=67.67

O exemplo anterior mostra uma das propriedades importantes dos indutores que os torna muito úteis como balastros, dispositivos em que a corrente inicial é elevada mas a corrente final é muito menor. Os balastros são usados nas lâmpadas fluorescentes em que é necessária uma corrente elevada quando a lâmpada é ligada, para garantir a ionização do gás dentro do tubo tornando-se condutor; após a ionização do gás, se a corrente mantivesse o valor inicial elevado, a lâmpada queimar-se-ia.

9.4.1 Circuito RL

O circuito RL na figura 9.9 está inicialmente ligado a uma fonte de f.e.m. usada para fornecer corrente inicial no indutor. Num instante designado por t=0 abre-se o interruptor S para desligar a fonte do circuito RL e o diagrama do circuito passa a ser o que está representado no lado direito da figura.

Diagrama de um circuito RL em série.
Figura 9.9: Diagrama de um circuito RL em série.

Se a fonte estiver ligada o tempo suficiente antes de o interruptor ser aberto, o indutor atinge o estado estacionário, em que a tensão nele é nula e a corrente igual a ε/R; a corrente passa toda pela resistência de R de baixo e na resistência R do meio a corrente é nula. A resistência R usa-se para evitar que a corrente se aproxime de infinito. No instante t=0 em que o interruptor acabou de se aberto, a corrente no indutor persiste, com valor inicial ε/R. Mas agora essa corrente circula pela resistência do meio.

Em t0, a tensão V e a corrente I, nos sentidos definidos na figura 9.9 estão relacionados pela equação (9.18):

V=LdIdt (9.21)

Na resistência, a corrente e a tensão são as mesmas do que no indutor, mas o sentido positivo da corrente é oposto ao sentido positivo da tensão (corrente a passar de menor para maior potencial) e a lei de Ohm na resistência é,

I=VR (9.22)

Como no instante inicial t=0 a corrente é igual a ε/R, a equação anterior mostra que a tensão inicial é V0=ε (se as duas resistências usadas não fossem iguais este valor inicial seria diferente, mas ainda negativo). A tensão no indutor muda abruptamente de 0 para ε em t=0. O sinal negativo indica que o indutor atua como elemento ativo e não passivo, como foi admitido na figura 9.9.

Substituindo a equação (9.22) na equação (9.21), obtém-se a seguinte equação diferencial:

dVdt=RLV (9.23)

Equação esta com a mesma forma da equação (6.30) do circuito RC analisado na secção 6.6.1 e, como vimos, a solução desta equação é a tensão inicial vezes a função exponencial de Rt/L:

V=εeRLt (9.24)

A constante L/R chama-se constante de tempo do circuito, porque tem unidades de tempo. Em unidades SI, um henry dividido por um ohm é igual a um segundo:

1HΩ=1Vs/AV/A=1s (9.25)

A figura 9.10 mostra o gráfico da tensão no indutor, expressão (9.24), em função do tempo. A reta a tracejado é a tangente à curva em t=0. O seu declive é pois igual à derivada da função V(t) em t=0. Usando a expressão (9.23), esse declive é igual a RV0/L (a tensão inicial é V0=ε) e a equação da reta é então:

Vreta=ε+RεLt (9.26)

a qual corta o eixo do tempo em t=L/R.

Tensão em função do tempo no circuito RL.
Figura 9.10: Tensão em função do tempo no circuito RL.

A tensão aumenta exponencialmente, desde ε até zero. Se continuasse a aumentar à mesma taxa inicial (i.e., linearmente), demorava um tempo igual à constante de tempo L/R para ficar igual a zero. Quanto maior for a constante de tempo, mais lento será o aumento exponencial da tensão.

A corrente calcula-se a partir da tensão usando a equação (9.22)

I=εReRLt (9.27)

que é uma função exponencial que diminui desde a corrente inicial ε/R até zero.

9.5 Forma integral e diferencial da lei de Faraday

Seja C uma curva fechada e orientada que delimita uma superfície S. Como a curva C é fixa, na derivada do fluxo magnético através de S (equação (9.10)) basta derivar o campo, já que S e dA permanecem constantes:

ddtSBdA=SBtdA (9.28)

observe-se que a derivada temporal tornou-se derivada parcial, porque B depende da posição e do tempo. Combinando as equações (9.12), (9.13) e (9.28) a lei de Faraday pode ser escrita da forma seguinte:

CEdr=SBtdA (9.29)

Que é uma relação fundamental entre os campos elétrico e magnético, válida em qualquer curva fechada e orientada, C, e respetiva superfície S delimitada por C.

Usando o teorema de Stokes (A.78) no integral do lado esquerdo, obtém-se

S(×E)dA=SBtdA (9.30)

e no limite em que a área de S aproxima-se de zero, ficando apenas um ponto, nesse ponto verifica-se:

×E=Bt (9.31)

Se o campo magnético depende do tempo, o rotacional do campo elétrico é diferente de zero e, como tal, não é um campo conservativo. Quando o campo magnético é estático, não há campo elétrico induzido e o rotacional de E é nulo; o campo elétrostático nesse caso é conservativo e é devido às cargas livres.

Problemas

  1. 9.1.

    O comprimento total entre as pontas das asas de um avião Boeing 747 é 60 m . O avião voa a 800 km/h e com altura constante, na direção sul-norte, numa região onde o campo magnético terrestre faz um ângulo de 60 com a vertical e a sua intensidade é 0.5 G. Calcule a diferença de potencial induzida entre as pontas da asas.

  2. 9.2.

    A figura mostra uma barra condutora de comprimento d e massa m que desliza sobre dois trilhos metálicos verticais, dentro de um campo magnético B uniforme. A resistência elétrica dos trilhos e da barra são desprezáveis comparadas com R. A barra mantém sempre o contato com os trilhos, permitindo que circule corrente pela resistência R, mas o atrito é desprezável, assim como o efeito da resistência do ar na barra. Quando a barra começa a cair livremente, o seu movimento é inicialmente acelerado mas rapidamente atinge uma velocidade constante v. Calcule o valor dessa velocidade limite v.

  3. 9.3.

    Uma bobina retangular com 400 espiras, todas com arestas de 1.5 cm e 3 cm, é atravessada por um campo magnético externo B de módulo 0.2 T, perpendicular aos planos das espiras. A resistência total da bobina é 42 Ω. Ligam-se entre si os dois extremos, inicial e final, da bobina e o campo externo é reduzido até 0, durante um intervalo de 4 segundos. Determine a carga total transferida através da bobina durante esse intervalo.

  4. 9.4.

    A bobina cilíndrica na figura tem 23 espiras de raio 1.6 cm. O eixo da bobina coincide com o eixo dos x, em t=0, mas em t>0 roda no plano xy com velocidade angular constante ω=40s1, no sentido indicado na figura. Na região onde a bobina roda existe campo magnético variável:

    B=2.2e14tȷˆ  (unidades SI)

    Determine a expressão da f.e.m. induzida na bobina, em função do tempo t, para t>0.

  5. 9.5.

    A espira retangular na figura tem arestas a=30 cm e b=63 cm. No mesmo plano da espira encontra-se um fio condutor retilíneo e muito comprido, paralelo a uma das arestas de lado b e a uma distância d=34 cm dela. Determine a expressão da f.e.m. induzida na espira, em função do tempo t, quando o fio retilíneo é percorrido por corrente com intensidade I=0.42sin(168t) (unidades SI).

  6. 9.6.

    Uma espira condutora retangular, paralela ao plano Oyz, desloca-se com velocidade constante v=3ȷˆ (m/s) dentro de uma região onde existe um campo magnético com componentes: Bx=(6y) (SI) e By=Bz=0. Calcule a f.e.m. induzida na espira, em função do tempo t, a partir do instante t=0 em que a espira se encontra na posição da figura, com um lado ao longo do eixo dos z.

  7. 9.7.

    No circuito da figura, calcule as correntes iniciais no indutor e no condensador, a corrente final no indutor e a carga final no condensador.

  8. 9.8.

    No circuito representado no diagrama, a fonte foi ligada no instante t=0, quando não havia corrente no indutor.
    (a) Determine a voltagem na resistência de 3.4 kΩ em t=0.
    (b) Determine o valor da derivada voltagem na resistência de 3.4 kΩ, em t=0.
    (c) Determine a voltagem na resistência de 3.4 kΩ, quando o circuito atingir o estado estacionário.

  9. 9.9.

    Um íman desloca-se ao longo do eixo de uma espira, aproximando-se dela, com velocidade constante, como mostra a figura. Usando o sentido positivo da espira como definido na figura:
    (a) Represente num gráfico, de forma qualitativa, o fluxo magnético Φ através da espira em função do tempo t. Indique o instante tm em que o íman está a meio da travessia da espira.
    (b) Represente o gráfico da corrente I na espira em função do tempo.

  10. 9.10.

    Uma barra metálica de comprimento l=9 cm desloca-se com velocidade constante v=18 cm/s, numa região onde há campo magnético uniforme com intensidade B=3.5 G, perpendicular à barra (ver figura). Determine o valor da f.e.m. induzida na barra.

  11. 9.11.

    O plano de uma espira quadrada de cobre, com 4 cm de lado, está na posição horizontal. Coloca-se um eletro-íman em forma de barra na posição vertical, acima do plano da bobina e com o seu polo norte mais próximo da espira mas um pouco afastado do seu centro, de tal forma que as linhas de campo magnético atravessam a espira formando um ângulo de 30 com a vertical. Calcule a f.e.m. induzida média na espira, enquanto a intensidade do campo magnético do eletro-íman, na superfície da espira, varia desde zero até um valor final de 0.5 T, num intervalo de 200 ms. Qual o sentido da corrente induzida na espira?

  12. 9.12.

    (a) Mostre que, se o fluxo magnético através da cada espira de uma bobina de N espiras e resistência R variar de Φ1 até Φ2, a carga total que passa através da bobina é dada por Q=N(Φ2Φ1)/R
    (b) Uma bobina circular de diâmetro 2 cm, resistência de 50 Ω e N=100 tem o seu eixo paralelo a um campo magnético uniforme e de módulo 1 T. Calcule a carga total que passa pela bobina quando a direção do campo é invertida.
    (c) Se a inversão do campo na alínea anterior levar 0.1 s, calcule a corrente e a f.e.m. médias na bobina.

  13. 9.13.

    No interior da circunferência a tracejado na figura existe um campo magnético que aponta para lá da folha e com módulo que depende do tempo t segundo a expressão 0.6et/15 (unidades SI). Determine a intensidade, direção e sentido do campo elétrico induzido dentro do anel condutor de raio r=9 cm.

  14. 9.14.

    (a) No circuito da figura, o interruptor S1 tem estado fechado durante muito tempo e o interruptor S2 aberto; determine a corrente no indutor. (b) A seguir, abre-se o interruptor S1 e simultaneamente fecha-se o interruptor S2; nesse preciso instante, a corrente no indutor deve ter o mesmo valor calculado na alínea anterior. Explique qualitativamente o que acontece com a corrente no indutor e a carga no condensador a partir desse instante.

  15. 9.15.

    No circuito representado no diagrama, a fonte foi ligada no instante t=0, quando o condensador estava descarregado e não havia corrente no indutor. Determine as correntes em cada resistência em t=0 e quando o circuito atingir o estado estacionário.

  16. 9.16.

    A fonte no circuito do diagrama foi ligada no instante t=0, quando a corrente nos dois indutores era nula.
    (a) Determine a diferença de potencial em cada um dos dois indutores, no instante t=0.
    (b) Encontre o valor da derivada da corrente em cada indutor, em t=0.
    (c) Determine a intensidade da corrente em cada indutor, após o circuito atingir o estado estacionário.

Respostas

  1. 9.1.

    0.33 V.

  2. 9.2.

    v=mgRB2d2.

  3. 9.3.

    0.857 mC.

  4. 9.4.

    e14t(0.5697sin(40t)1.628cos(40t))

  5. 9.5.

    5.62×106cos(168t)

  6. 9.6.

    0.18 V, no sentido anti-horário visto desde a esquerda.

  7. 9.7.

    Inicialmente, 100 mA no condensador e 0 no indutor. No fim, 1.96 mA no indutor e 17.6 µC no condensador.

  8. 9.8.

    (a) 0. (b) 41.26 kV/s. (c) 5 V.

  9. 9.9.

    Contando o número de linhas de campo que atravessam a espira em instantes sucessivos t1, t2, t3, …, observa-se que o fluxo (sempre positivo) aumenta até um valor máximo, em tm e logo diminui:
               

    A corrente é proporcional à derivada do fluxo, com sinal negativo.

    (a)
               
    (b)
               

  10. 9.10.

    5.67×106 V.

  11. 9.11.

    3.5 mV. Vista de cima, a corrente na espira tem sentido anti-horário.

  12. 9.12.

    (b) 1.26 mC. (c) 12.6 mA e 0.628 V.

  13. 9.13.

    0.0018et/15, na direção tangente ao anel e no sentido horário.

  14. 9.14.

    (a) 20 mA. (b) A corrente diminui enquanto a carga aumenta; quando a corrente decresce até zero, a carga atinge um valor máximo e nesse momento, o condensador começa a descarregar, surgindo uma corrente que aumenta, no sentido contrário à corrente inicial. Quando a carga diminui até zero, a corrente é máxima e com a mesma intensidade inicial. O ciclo repete-se indefinidamente, pois não existe nenhuma resistência que dissipe energia.

  15. 9.15.

    Em t=0, 1.91 mA na resistência de 4.7 kΩ, e 2.0 mA nas resistências de 1.8 kΩ e 2.7 kΩ. No estado estacionário, 2.56 mA na resistência de 1.8 kΩ, 0.93 mA na resistência de 4.7 kΩ, e 1.63 mA na resistência de 2.7 kΩ.

  16. 9.16.

    (a) 24 V no indutor de 1.2 H, e 0 no indutor de 5 H. (b) 20 A/s no indutor de 1.2 H, e 0 no indutor de 5 H. (c) 5 A no indutor de 1.2 H, e 1 A no indutor de 5 H.